À poeta que se foi
Murilograma a João Cabral de Melo Neto
(...)
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Sim: não é fácil chamar-se
João Cabral de Melo Neto
Força é ser engenheiro
Mesmo sem curso & diploma.
Pernambucano espanhol
Vendo a vida sem dissímulo;
Construir linguagem enxuta
Mantendo-a na precisão,
Articular a poesia
Em densa forma de quatro,
Em ritmos de ordem serial;
Aderir ao próprio texto
Com o corpo, escrever com o
Corpo;
Exato que nem uma faca.
Força é abolir o abstrato,
Encarnar pessoa física,
Apreender coisa real,
Planificar o finito;
Conhecer o vivo do homem
Até o mais fundo do osso,
Desde o nove de um Mondrian
Até o zero dum cassaco
Espremido pelos homens
Na sua negra engrenagem;
Radiografar a miséria
Consentida, estimulada
Pelos donos da direita,
Levantar-se contra a fome
Sem retórica gestual;
Descobrir o ovo, a raiz,
o núcleo, o germe do objeto;
Ter linguagem contundente,
"A palo seco"; e portar
- Sem nenhum superlativo -
Olho e mão superlativos
Com o suplente microscópio.
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