Lameblogadas

terça-feira, dezembro 02, 2003

Outro dia, dois artigos importantes foram publicados no Globo, na mesma página. Os dois tratavam do mesmo assunto, os descaminhos do governo Lula. Um era do Veríssimo e, a propósito das novas ações do PT no Planalto, acho que não é tarde para reproduzi-lo aqui:



Passar por louco

As velhas frases não perdem a utilidade. "Façam o que eu mando, não o que eu faço" é o que os Estados Unidos, o país mais endividado do mundo, não param de dizer aos outros quando recomendam austeridade fiscal, ou quando pregam o comércio livre universal enquanto subsidiam sua agricultura e protegem sua indústria. Outra frase pronta, "se fazer de louco para passar bem", se adapta ao governo Lula e pode mesmo ser a justificativa histórica do PT, quando for prestar conta das suas incoerências no poder.

Como não há mais dúvidas de que este é um governo esquizofrênico, resta saber até que ponto é uma esquizofrenia pensada, estratégica, talvez até ensaiada, e no fim compreensível. Ou até que ponto é um governo que se faz de louco para ser viável. Quem acreditou que Lula e o PT no governo fariam diferente se apega à esperança de que haja uma coerência mestre por trás da aparente confusão. Que a equipe econômica não esteja dedicada a avalizar a defesa do Pensamento Único segundo a qual ele era único porque não existia outro e sim a uma mudança gradual do modelo para não assustar ninguém. Que até desastres de RP como a ameaça de punir dissidentes, os velhinhos do Berzoini na fila para se recadastrarem e o corte de verba para deficientes tenham uma lógica secreta. Que o mais importante, ao entrar em território dominado pelo inimigo e antes de garantir posições, seja mesmo a camuflagem. Que o verdadeiro governo Lula começa no ano que vem. Ou até que a decepção interna seja só uma concessão para disfarçar a grande diferença deste governo, que é a nova postura internacional do Brasil.

O perigo é que aconteça o que aconteceu com aquele cara que teve tanto sucesso se fazendo de louco para passar bem que acabou internado, e ficou o resto da vida tentando convencer os médicos que sua esquizofrenia era fingida e insistindo que não estava apenas se fazendo de normal para sair do asilo. Pois vale tanto para os loucos como para os sãos: a gente não é o que diz que é ou pretende ser, a gente é o que faz. Ou deixa de fazer.