Lameblogadas

segunda-feira, fevereiro 05, 2007




Carnavalescas

Eu tinha dez anos ainda quando fui a um baile de carnaval noturno no outrora famoso Canto do Rio, tradicional clube de Niterói. No meu imaginário infantil, a festa de Momo estava, invariavelmente, ligada ao sexo e à putaria. Por que? Nos bailes transmitidos pela TV Manchete, eram mulheres peladas e homens com cara de tesão. Nas revistas que saíam pós-folia, as fotos eram flagras de agarrões, línguas em lugares inapropriados para menores, seios e outras partes nuas, homem com homem, mulher com mulher.

Era natural que eu não me sentisse à vontade, já de cara, de ir num lugar onde fatalmente eu achava que veria cenas como essas. Enfim, não sei até hoje por que meus pais me levaram. Já na entrada, eu de sarongue e bustiê de chita, com um filó à la viúva Porcina na cabeça, maquiada (para parecer mais velha!!!) e com uma bolsinha a tiracolo, seguranças tentaram me barrar. Meu pai tentou argumentar que era meu pai e eu estava com a família, mas nada. Aí apelou para o jeitinho, dizendo que era filho de um tal Caio Lamego, velho amigo do presidente do clube, freqüentador dos bailes da cidade, boêmio, que trabalhava com o deputado fulano de tal, enfim, entramos.

Fomos direto para o camarote. Na minha memória, eu era a única criança lá dentro, mas ao lado de tias, tios e meus pais. Nas muitas idas e vindas ao banheiro, eu vi uma cena que me chocou: um homem beijando outro homem, e minhas tias cochichando sobre o fato. Mas é carnaval, vale tudo. Na única vez que desci ao salão, um cara que deveria ter o triplo da minha idade me agarrou pelas costas num trenzinho que entrei, mas com a garantia de ter meus adultos por perto. Saí logo. Definitivamente, era um peixe fora d'água. E tinha medo.

Era muito magrinha nessa época. Aliás, quase pele e osso, com canelas finíssimas e joelhos protuberantes! Mas, no vocabulário da época, já tinha ficado "mocinha". Dez anos recém-completados e destinada a sangrar todo mês, invariavelmente, até em dias de carnaval (eu ficaria "assim" em vários carnavais durante a adolescência, uma sina!). Pois no dia do baile, eu estava "naqueles dias", um incômodo a mais, que, ao contrário, não me fazia sentir mais "adulta" no meio daquela gente toda. Ainda ontem, esteve aqui em casa um dos tios que me acompanhavam naquela noite e ele se lembrou do meu desespero. "Mãe, quero ir no banheiro, acho que já estou suja". Não havia jeito de me convencer. As tias se revezavam. A cada pingo, eu queria me trocar. Que maldade com uma criança!!

Para completar a noite, no meio do baile as cenas proibidas: duas mulheres sobem ao palco e tiram a parte de cima de seus biquínis. Eram seios à la Fafá de Belém. Uma coisa inesquecível para uma menina de dez anos, metida num sarongue curto, com um modess grande (sua menstruação já parecia de moça adulta) a lhe atrapalhar os movimentos, uma maquiagem que mal disfarçava seu desconforto em estar ali. Meu pai já bêbado, minha mãe brigando só porque ele olhava para os seios à mostra, de longe, vários homens velhos e barrigudos me cumprimentando "essa é a neta do Caio", "que gracinha", "seu avô faz muita falta ao carnaval", papai um tanto feliz de reviver a presença de vovô, que tinha nos deixado há quase seis anos, eu querendo ir embora... Antes do baile, eu não sabia direito, mesmo já "mocinha", como funcionava esse negócio de sexo. Saí de lá com impressão de que tinha a ver com carnaval, era algo ruim e que fazia os casais brigarem.

***

E assim terminou, meio mal, meu primeiro baile de carnaval. Mas, para contrariar a expressão de que a primeira impressão é a que fica, outros vieram - e com muita alegria.