Depois de escrever o texto sobre as reminiscências de infância em Cordeiro, fui ao cinema assistir ao super elogiado "Brasileirinho" e aconteceu uma dessas coincidências astrais que, felizmente, têm sido comuns e nos aproxima de certos temas, pessoas e sentimentos em determinados momentos da vida. O documentário sobre o choro tem cenas lindíssimas, que me fizeram chorar várias vezes.
Uma delas é o que mostra o trabalho da Escola Portátil de Música, um dos projetos mais bonitos que eu já conheci (embora nunca tenha visitado, uma falha imperdoável), tocado pela família Maurício Carrilho e Luciana Rabelo. Participam dele jovens de onde? Cordeiro! Vários meninos e meninas saem todo sábado da cidade para vir ao Rio ter aulas de violão, cavaquinho e outros instrumentos. O cineasta foi lá e filmou cenas da cidade e o depoimento de um deles, que, junto com um parceiro, tem se destacado nos shows e rodas por aí. No filme, Zé da Velha apelida os dois de "Zé da Nova" e "Silvério Pinguelinha", numa referência a Silvério Pontes, que forma com Zé a "menor big band do mundo". Os meninos fazem bonito no palco ao lado dos ídolos. Mais emoção?
Ademilde Fonseca cantando "Tico-tico no fubá", a platéia do Municipal de Niterói entoando "Carinhoso", tocada pelo violão esperto do Yamandu Costa; Jorginho do Pandeiro contando como foi sua estréia no rádio, aos 14 anos, levado pelo irmão mais velho (não era o Dino Sete Cordas); Zezé Gonzaga esbanjando juventude no palco; a roda de samba aos pés da Igreja da Penha; Joel Nascimento visitando a porta do que foi um antigo bar que reúnia a nata do choro no subúrbio da Penha e, por fim, deixando outras tantas cenas lindas de fora, a parte em que o Guinga conta a história de "Senhorinha", que ele compôs e deu para o Paulo César Pinheiro letrar.
Diz Guinga que tinha uma filha que era muito doentinha, quase não comia, vivia tomando remédios e era uma criança triste. Pois um domingo, ele a levou numa fazenda e ela passou o dia sorrindo, lépida, brincando, feliz da vida. Nasceu a música, que eu amo ouvir na voz da Mônica Salmaso, que a gravou no esplêndido disco "Voadeira".
Senhorinha(Guinga/Paulo Cesar Pinheiro)
Senhorinha
Moça de fazenda antiga, prenda minha
Gosta de passear de chapéu, sombrinha
Como quem fugiu de uma modinha
Sinhazinha
No balanço da cadeira de palhinha
Gosta de trançar seu retrós de linha
Como quem parece que adivinha (amor)
Será que ela quer casar
Será que eu vou casar com ela
Será que vai ser numa capela
De casa de andorinha
Princesinha
Moça dos contos de amor da carochinha
Gosta de brincar de fada-madrinha
Como quem quer ser minha rainha
Sinhá mocinha
Com seu brinco e seu colar de água-marinha
Gosta de me olhar da casa vizinha
Como quem me quer na camarinha (amor)
Será que eu vou subir no altar
Será que irei nos braços dela
Será que vai ser essa donzela
A musa desse trovadoró prenda minha
ó meu amor
Se torne a minha senhorinha
Obs: Nada contra o Trio Madeira Brasil, que conduz o fio da história (embora não seja o mais importante representante do choro no Rio de Janeiro, mas tenha em sua formação Ronaldo do Bandolim), mas senti falta, no filme, da história do Época de Ouro (seu César Faria ainda era vivo, não sei se o Dino já estava mal ou tinha partido), que poderia muito bem ter sido contada pelo também chorão Paulinho da Viola. E também de uma panorâmica do Choro na feira, nas tardes de sábado em Laranjeiras. E do maestro Pedrinho, regendo o bandão da Escola Portátil. E, se teve Teresa Cristina, poderia ter a virtuose Nilze Carvalho. O mais grave, no entanto, é a falta de um depoimento do Henrique Cazes, porque ele aparece no documentário sem crédito, quase como músico figurante, sendo uma das mais importantes figuras do choro carioca. Imperdoável!
Obs. II: Ouvindo "Ao Jacob, seus bandolins"
1 Comments:
Embora tenha lá minhas restrições à Monica Salmaso, tbm amo essa gravação!
By Anônimo, at 3:05 PM
Postar um comentário
<< Home