Lameblogadas

segunda-feira, junho 03, 2002

A música do Chico era essa.


Tanto amar Chico Buarque/1981


Amo tanto e de tanto amar
Acho que ela é bonita
Tem um olho sempre a boiar
E outro que agita

Tem um olho que não está
Meus olhares evita
E outro olho a me arregalar
Sua pepita

A metade do seu olhar
Está chamando pra luta, aflita
E metade quer madrugar
Na bodeguita

Se seus olhos eu for cantar
Um seu olho me atura
E outro olho vai desmanchar
Toda a pintura

Ela pode rodopiar
E mudar de figura
A paloma do seu mirar
Virar miúra

É na soma do seu olhar
Que eu vou me conhecer inteiro
Se nasci pra enfrentar o mar
Ou faroleiro

Amo tanto e de tanto amar
Acho que ela acredita
Tem um olho a pestanejar
E outro me fita

Suas pernas vão me enroscar
Num balé esquisito
Seus dois olhos vão se encontrar
No infinito

Amo tanto e de tanto amar
Em Manágua temos um chico
Já pensamos em nos casar
Em Porto Rico

Hoje não produzo, é dia de Copa do Mundo. Sempre achei que essa história de Mundial na Ásia não ia dar certo: acordei aos 45 minutos do primeiro tempo, dormi durante o intervalo de 15, cochilei durante todo o segundo tempo, só abrindo os olhos para o gol de Ronaldo e o do pênalti roubado. Não vi movimentação nas ruas (ai, que saudades da Copa na França), não ouvi os fogos estridentes. Enfim, para mim não houve clima de Copa. Ao contrário do meu Amigo Individual, que chorou pelo Brasil, eu chorei por mim mesma. De emoção, ao ouvir uma música do Chico (sempre o Chico), enquanto acontecia algo de muito bom. Como ainda não é tempo de contar em palavras as coisas boas que têm me acontecido ultimamente, deixo o espaço hoje para o Daniel. Ele escreveu sobre a Copa. Vamos ao texto.


(TRILHA SONORA: qualquer hino ufanista. Pode ser "Aquarela do Brasil", mas eu não queria que ficasse tão clichê. CENÁRIO: fundo de parede verde com riscos brancos formando um campo de futebol estilizado.)

A gente espera quatro anos para ver o Brasil na Copa do Mundo.
A gente espera dois anos para ver Ronaldo jogar futebol novamente.
A gente espera dois anos para assegurar a vaga na Copa do Mundo.
A gente espera um ano para ver o trabalho de Luis Felipe Scolari dar resultado.
A gente espera cinqüenta minutos para ver um gol do Brasil. Até lá, somos obrigados a ver um do nosso adversário.
E o gol é de Ronaldo. E quando ele vem, provoca a mesma reação de qualquer saudade tanto quando aperta quanto quando vai embora. A gente chora.

A gente não chora porque Roque Júnior foi, hoje, o melhor zagueiro brasileiro. Nem porque Vampeta lançou duas bolas na cabeça de zagueiros turcos. Nem porque Luizão ficou entre a falta cobrada por Roberto Carlos e o gol. A gente chora porque é gol do Brasil, porque é Copa do Mundo. Ao contrário do que se está dizendo, a arbitragem não favoreceu o Brasil. Anulou um gol legítimo de Rivaldo (de cabeça, alegando impedimento, mas ele estava na mesma linha do defensor) e deixou de marcar um pênalti no mesmioo
jogador (apontando escanteio, mas a bola não tinha saído). Então, e daí que Luizão foi derrubado fora da área? É verdade, em outras circunstâncias seria terrível vencer assim. Mas estas não são outras. (Quando vi ser marcado pênalti em falta fora da área aos 43 minutos do segundo tempo, com expulsão do agressor e tudo, juro que imaginei estar assistindo a um jogo em São Januário. Só uma ilusão, mais uma.)

A imagem da partida é o olhar de Rivaldo antes de cobrar o pênalti. Nunca se havia filmado um pênalti assim, eu acho. O movimento dos olhos, discretamente para a direita, escolhendo sem telegrafar, até o toque definitivo na bola rumo às redes. Viva a televisão!
Depois, temos Rivaldo - que já dera o passe para Ronaldo marcar o primeiro gol, o de empate, levando uma bolada na bacia e atirando-se ao chão com as mãos no rosto. Em outras circunstâncias seria ridículo. Mas estas não são outras.

Eu detesto dizer isso (mentira, eu adoro!), mas eu avisei ontem para alguns: "CUIDADO COM O BASTURK!" Se alguém não ligou o nome à pessoa, Basturk é aquele camisa dez que deu o passe para Hasan Sas fazer o gol turco nas costas de Cafu. Após ele ser substituído, a Turquia desapareceu do jogo. Muito se falou sobre o "melhor jogador turco de todos os tempos", Hakan Sukur. Para quem não ligou o nome à pessoa, não posso fazer nada. Ele não tocou na bola. Mas vamos tentar: é aquele camisa nove, capitão do time, que aparecia de vez em quando em close da TV coreana, e que é a cara do imperador Júlio César dos livros do Asterix. Ninguém vai me convencer que Sukur não conseguiu jogar por mérito de Roque Júnior. Ele não jogou porque é como Romário: fica paradão lá, se não tiver alguém para lhe servir ele não faz nada mesmo. Esse alguém seria Basturk, que foi muito bem marcado
por Gilberto Silva.

No mais, foi assim: os laterais se apresentaram bem mas de repente sumiam do jogo. Precisam ficar mais atentos. Lúcio e Edmílson comprometeram em lances importantes. Roque Júnior jogou sério o tempo todo, sem firulas. Que assim continue e que os outros lhe sigam o exemplo. Ronaldinho Gaúcho e Denílson não mostraram o brilho habitual. Acontece. Ninguém é genial todos os dias. Achei que Juninho estava melhor que Ronaldinho e por isso não deveria ter saído. Rivaldo se movimentou bem, chamou o jogo para si. Para mim, o nome do jogo. Ronaldo também esteve bem, mas chamou o jogo demais para si. Foi fominha. Nenhuma das substituições foi feliz. Vampeta não acertou nada e Denílson pouco. Vale aquele passe de letra para Roberto Carlos. Com o ponta em
campo, Luis Felipão achou que precisava de um centro-avante tradicional, matador. Acabou dando certo, pois ele sofreria a falta-pênalti, mas o raciocínio do treinador estava equivocado: Ronaldo tem mais chances de decidir uma partida do que Luizão.

A gente espera que os zagueiros joguem com seriedade.
A gente espera que Luis Felipão acerte a mão nas substituições.
A gente espera que os atacantes caprichem mais nas finalizações e contem com melhor sorte.
A gente espera muita coisa. Fica esperançando, diria Guimarães Rosa. E, no final, de qualquer maneira, a gente chora. Porque é Copa do Mundo.

Daniel Moutinho