Lameblogadas

sexta-feira, dezembro 09, 2005




Ney Matogrosso é um artista que amo de olhos fechados. Gosto de tudo que conheço dele e sofro pela inabalável certeza de que desperdicei toda uma vida sem investigar esse interesse genuíno que sinto pela sua arte. Acho que sua música me remete a um tempo que ainda não consegui identificar. Isso me instiga. O que representou Ney em minha vida? Que acontecimentos ou sentimentos terão sido marcados por sua música?

Humm, nossa história bem que poderia estar arquivada em algum lugar que não dependesse de nossa memória desgastada pelo tempo e pela seleção natural, até porque mudamos tanto com o passar dos anos que às vezes é difícil recuperar as sensações do passado. Bem, se não há como explicar a falta de atenção, tentarei recuperar o tempo perdido adquirindo o máximo que encontrar pelo caminho - mesmo que continue sem fazer muito esforço para isso.

A propósito, ontem passei boas assistindo ao ótimo DVD vendido em bancas pelo Globo com um show dele ao vivo em BH. Imperdível!! Meu último desejo é ter sua discografia completa.



Joaquim Pedro de Andrade

Foto do acervo da produtora Filmes do Serro (www.filmesdoserro.com.br

Sábado passado, pude finalmente assistir ao filme "Cinco vezes favela", composto de cinco curtas, três dos quais realizados por cineastas que se revelariam mais tarde expoentes do Cinema Novo. Com produção do Centro Popular de Cultura, os filmes carregam a visão simplista da época, a de que a arte deveria servir como instrumento político para mudar a sociedade. Mas valem pelo registro histórico e pela importância de revelar nomes como Cacá Diegues, ainda Carlos, Leon Hirszman e Joaquim Pedro de Andrade. O melhor de todos (e isso não é novidade nem opinião só minha, mas de críticos entendidos do riscado) é o "Couro de gato", de Joaquim.

O filme difere dos outros pela montagem ágil e pelo fim surpreendente, nada lírico como parecia sugerir a relação entre o menino da favela e o gato roubado da madame para virar couro de tamborim. Como li em algum artigo pela internet, há no curta do estreante Joaquim um "sopro cinematográfico" que pode ser visto também no último episódio, o "Pedreira de São Diogo" do Leon Hirszman.

Meu interesse por Glauber numa época em que eu tinha tempo para me dedicar aos estudos ofuscou um pouco a admiração nascente por Joaquim Pedro. Macunaíma está entre meus filmes prediletos, li o perfil dele escrito pela Ivana Bentes, textos para fazer um trabalho sobre a adaptação do livro de Mário de Andrade para o cinema, livros sobre o Cinema Novo que o citavam e mais nada. Também vi "Os inconfidentes" e fiquei esperando anos por uma chance de assistir "O padre e a moça", "Guerra conjugal" e os curtas dele sobre Manuel Bandeira e Gilberto Freyre. Mas não devo ter feito tanto esforço. Quer dizer, estou sempre em horário de trabalho nas sessões de centros culturais e cinematecas (aliás, amanhã vou perder um filme que estou louca para ver, o "Memória de Helena, do David Neves, porque estarei de plantão!)...

Sempre me impressionou em Joaquim a beleza, a cultura e a tragédia. Ele morreu aos 56 anos, com um belíssimo e elaborado roteiro de "Casa grande e senzala" nas mãos, cujas locações ele estava já escolhendo e que seria realizado não fosse sua vida ser interrompida por um maldito câncer no pulmão - mesma doença que levou à morte Vianinha, outro representante saudoso de sua geração.

O mundo é muito injusto.



Pancada neles!!

Promete o show que Teresa Cristina, Cristina Buarque e Mariana Bernardes vão apresentar na quarta que vem, no Rival, com o grupo Semente. Foi anunciado pela primeira como a "revanche feminina contra os sambas machistas". Fiquei curiosa para ouvir o repertório que elas vão cantar. Com a presença de Cristina Buarque, devem vir pérolas.

Aliás, eu adoro os sambas machistas. Abaixo, a letra do que foi cantado no primeiro desfile da Portela, em 1932, com autoria de Ernâni Alvarenga.

Lá vem ela, chorando
o que que ela quer?
Pancada não é, já dei
Mulher da orgia quando começa a chorar
quer dinheiro, dinheiro não há

Carinho eu tenho demais
pra vender e pra dar
pancada também não há de faltar
dinheiro, isto eu não dou à mulher
faço descer à terra o céu e as estrelas
se ela quiser (dinheiro não há)



Nilze Carvalho foi indicada para concorrer ao Prêmio Faz Diferença, do Globo. A nossa musa concorre com Falcão, do Rappa, e com Ivan Lins. O prêmio tem um júri formado pelo ganhador do ano anterior (na categoria música foi a Calcanhoto) e por jornalistas do Globo. Mas o resultado depende também do voto popular, através do site www.oglobo.com.br. O meu vai para a Nilze, claro.

quarta-feira, dezembro 07, 2005




"Cinema, aspirinas e urubus" é o melhor filme em cartaz no Rio atualmente. Pena que pouca gente o tenha assistido. É o que constato em conversa com os amigos e na própria trajetória da película no circuito: saiu do Odeon para o Paissandu, Estação Barra Point e a Casa França-Brasil. Como não conheço os bastidores do mercado, fico sem saber por que ele não está no Arteplex ou na Voluntários da Pátria. Acho que isso poderia ter ajudado...

Concretamente, sei que o seu diretor, o pernambucano Marcelo Gomes, manifestou preocupação com a hipótese de o título de seu filme afastar espectadores. Em entrevista a Rodrigo Fonseca, do Globo (o jornal tem, finalmente, um crítico com o qual me identifico quase totalmente), ele contou a estranheza de um taxista em relação ao nome do filme. Minha sogra também teve a mesma reação quando contei que tinha vindo da sessão de "Cinema, aspirinas e urubus". O próprio repórter, em matéria sobre a quantidade de brasileiros no circuito, escreveu que o lado ruim da história seria a dispersão do público. Lamento que estas "previsões" estejam se confirmando, pois não consigo achar outras explicações para a falta de repercussão do filme.

1942. Um alemão, que fugiu da Segunda Guerra na Europa, viaja pelo sertão projetando filmes publicitários sobre a droga que chegara para acabar com as dores do povo. Vendedor de aspirinas, ele encontra personagens desses recantos nordestinos que, não fosse o filme anunciar que se trata de uma história passada em 1942, poderiam ser encontrados ainda hoje. A Paraíba das locações é mostrada na crueza exata de sua realidade. Mas o filme não tem a pretensão de discutir pobreza nem situação social dos personagens. Sua dimensão é humana. É no encontro entre duas pessoas, o alemão e um nordestino em diáspora para a "capital", que ele mostra sua força. O ator baiano João Miguel, o qual eu reconhecera como o farmacêutico assaltado em "Cidade baixa", é nada menos que fantástico. Sua estréia me fez lembrar a de Wagner Moura, outro grande ator da "nova geração".

O road-movie sertanejo de Marcelo Gomes é engraçado, bonito e envolvente. Saí do Odeon com a sensação de ter assistido a um clássico da nossa sétima arte, num ano de grandes produções brasileiras. Agora, me sinto na obrigação de pedir a todos os amigos: por favor, assistam ao filme.

terça-feira, dezembro 06, 2005



Diário de férias

Este ano, minha viagem foi ao maravilhoso mundo dos livros e filmes, num mês de dedicação a dois de meus temas prediletos: cinema brasileiro e política. Não saí do Rio e gastei meus dias entre leituras há muito desejadas, idas constantes ao cinema e sessões quase diárias de DVD's.

A monumental biografia de JK escrita por Claudio Bojunga e as memórias do jornalista Flávio Tavares sobre a ditadura foram dois destaques entre as leituras. Mas muita coisa ficou pelo caminho, como o Raízes do Brasil pela metade e o início de Casa grande e senzala adiado para 2006.

No cinema, assisti a quase todos os brasileiros em cartaz. O circuito anda tão bom que quase não há tempo de acompanhar as estréias. Aproveitei para ver em DVD alguns filmes inacreditavelmente ainda inéditos para mim, como o Carandiru. Gostaria de ter revisto alguns clássicos, mas tempo não houve, mesmo com todos os dias chuvosos de novembro...

Já que estava no Rio, acabei trabalhando em frilas, o que me rendeu uma grana extra para comprar...livros! Rabo de foguete, do Ferreira Gullar (por que ainda não tinha esse??); 1968: o ano que abalou o mundo; um livro de textos de cinema do David Neves (crítico e cineasta do Cinema Novo) e o novo do Truffaut.

O trabalho extra (duas matérias!!!) me rendeu quase o equivalente ao meu salário - o que não significa que foi muita coisa... o que fez alimentar o sonho de um dia trabalhar em casa, por conta própria, com tempo para ter uma vida normal, poder pegar os filhos no colégio, participar das festas familiares, cozinhar, ter os fins de semana livres...

segunda-feira, dezembro 05, 2005



Seis da tarde. Rádio ligado. Mamãe se despedindo de papai no portão, antes dele ir para o trabalho no banco. Panela de pressão no fogo, eu brincando com minhas bonecas, sonhando com o meu futuro. Pensava até em ser jogadora de basquete, nunca me imaginei jornalista. Acho que nem conhecia a profissão... Minhas brincadeiras prediletas: receitar remédios para os meus bebês de brinquedo (sempre fui meio hipocondríaca), pular corda, jogar queimado e brincar de casamento.

Seis da tarde. Toca a Ave-Maria no rádio. Eu ponho o vestido branco de mamãe, a guirlanda velha na cabeça e saio desfilando. Minhas amigas também experimentam. Improvisamos um altar. Só falta o noivo e a maquiagem. Uma vizinha não gosta da brincadeira porque, gordinha, nela não cabe o vestido de noiva. Mamãe tinha uma cinturinha...

Seis da tarde. A Ave-Maria toca na Igreja e mamãe aparece de noiva na porta. Papai no altar, a chuva torrencial lá fora. Eles dizem sim e tiram foto dentro do carro. Adoro reconhecer os primos pequenos e os tios ainda com cabelos no álbum de casamento dos meus pais. Mamãe com bolo no colo, taças se cruzando, crucifixo. Não há nada que faça eu me lembrar mais desse tempo de infância e pré-adolescência que o som da cigarra "cantando" ou o da Ave-Maria tocando no rádio. A música que inspirava meus sonhos de entrar na igreja vestida de noiva.

O tempo passa, nós abandonamos os desejos pelo caminho... Com 30 anos e os músculos dos braços já começando assustadoramente a balançar, já não dá mais para pensar em vestido de noiva com botões de pérola e um véu de arrastar no chão. É nisso tudo que penso quando chega ao fim o documentário "Morro da Conceição", numa sessão às seis da tarde no Unibanco Arteplex. Por que Cristiana Grumbach termina o filme ao som da Ave-Maria da minha infância e dos meus sonhos? No fim da projeção, estou como seus personagens que procuram, com o olhar no infinito, as reminiscências de suas histórias.

Belo filme, que conta a história de um lugar que ainda conserva seu passado por meio da arquitetura envelhecida e da memória dos seus moradores, que depõem magistralmente sobre suas Existências. A diretora é discípula de Eduardo Coutinho e conseguiu, com seu primeiro longa, superar o mestre - pelo menos em comparação ao filme que ele também pôs em cartaz na cidade atualmente. O que sobra em "Morro da Conceição" - um bom lugar e uma prosa solta - falta no caminho de Coutinho em direção ao sertão paraibano. O diretor não conseguiu conquistar a confiança e entrar na intimidade de seus personagens. Por não ter escolhido previamente locações e boas histórias, me deixou com a sensação de ter desperdiçado o Tempo.