"Fundamental é o mar que respiramos"
Eu nunca entendi muito bem como fui parar na faculdade de Economia (e hoje, ao encontrar uma aluna daquela época perto de casa, constatei que aquela realmente não poderia ser a minha). O certo é que me sentia fora de lugar, assim como na vila onde morava, onde as pessoas viviam num universo que não seria o meu para sempre, tinha certeza.
Pois, ao chegar na Comunicação é que fiquei mais confusa ainda: por que não vim parar aqui antes? O certo é que aquele ERA o espaço onde encaixaria o meu jeito de ser, pensar, vestir e viver - ainda que muito de mim ainda acabaria por ser forjado nos quatro anos seguintes.
Considero o terceiro período o seminal: ali eu me aproximei dos amigos que me rodeiam até hoje. Nessa época, conheci também o professor que marcaria a minha formação, seria o meu orientador do período seguinte em diante, ou seja, aquele tipo de mestre que pouco se vê nas escolas hoje em dia.
Uma semana antes de nos conhecermos em aula, eu fui à Bienal do Livro, no Riocentro, e lá comprei um exemplar justamente de autoria dele - sem saber que viraria meu professor logo depois. Uns tempos antes, numa visita à biblioteca da UFF, escrevi no caderninho títulos de livros que leria nos meses seguintes e lá estava o nome dele no meio de um monte de política. No fim da aula de Oficina de Textos (em que descobrimos a poetisa que vivia na Lili, o Nelson Rodrigues que habitava a Lu, o Caio Fernando Abreu que inspirava o Gu e assim por diante), não me contive e fui perguntar se era ele mesmo o autor do tal livro. Era. E prometi levar o tal caderninho com anotações sobre as minhas preferências literárias.
Três anos, dois laboratórios de pesquisa, livros diversos, estudos culturais baseados em biografias, muitos pitos e uma paixão por Glauber depois, eu escrevi a ele a frase que hoje me persegue: "o nosso foi o encontro predestinado das afinidades". Lembro dela na semana em que revi poucos, breves, mas queridos amigos.
Na terça, dia chuvoso como seu livro, fui ao lançamento da "Musa diluída", do Henrique Rodrigues. Como em tantos encontros caroçais, o vinho da noite abriu minha alma à poesia do amigo e dormi lendo e relendo alguns poemas (tá, li o livro inteiro duas vezes em dois dias, um recorde para a minha pessoa, mesmo em se tratando de poesia). Na Travessa, encontrei pessoas que há muito não via, como a Moniquinha - a quem quero perguntar onde encontrou criatura tão bonita e doce como a Roberta -, Moutinho, Flá, Valéria, Paulinha e o próprio HR. Fui dormir com a felicidade dos embriagados pela amizade. Até porque neste dia acompanhada por Dolores e Pepê, com quem havia assistido ao mais novo Almodóvar (um filme-livro).
A Valéria nos perguntou: por que não nos encontramos mais?
Não tenho a resposta para tudo. Eu mesma queria saber. Se a vida é mesmo o encontro predestinado das afinidades, ele acontece. Como quando conheci a Gisele, menina com quem já esbarrara, mas cuja fisionomia esquecera (é preciso estar de olhos, alma e coração bem abertos para perceber os "encontros" que podem mudar nossa existência).
Eu e ela, que não faz cinema mas poderia ser a menina da música do Chico, temos uma "energia" em comum. Penso nela e, dias depois, descubro que ela estava pensando em mim. Agora a chuva é algo que nos une. Aliás, apreciar a chuva é coisa de mulher madura (na adolescência eu era solar).
Por falar em chuva, hoje descobri uma nova sensação, e deliciosa: já experimentaram tomar uma taça de vinho chileno com camembert e foie gras com geléia de framboesa e, em seguida, comer chocolate com nutella embaixo dela, digo, da chuva? É de sentir o corpo vivo, pulsando, gozando quase (a chuva também dá saudade do namorado que ainda está no trabalho - mas bem que poderia estar perto porque melhor que chocolate com chuva é fazer amor à tarde, de férias).
De férias, e conhecer o novo centro cultural, se perguntar por que não faz nada ligado ao social - se seu filme predileto diz que "a terra é do homem, não é de Deus nem do diabo"- depois de ver desenhos de dor e de um Pinochet com os dentes sujos de sangue. E ir ao cinema, chorar silenciosamente num filme sobre a ditadura (essa tal de energia do universo deve explicar porque eu, nascida em 1975, sofro tanto com os horrores da tortura dos idos da nossa última, se Deus quiser, última mesmo, ditadura, tendo pais que nunca ouviram falar nela).
Na chuva, no Aterro, ouvindo "Acabou chorare", pensando no dia triste, mas feliz, depois de um dia extremamente feliz, pensando nos amigos que vão e vêm, mas continuam amigos para sempre. (Guiu, você está nesta lista)
Como alguém pode dormir em paz pensando que um amigo precisou de ajuda sem gritar por ela e não pôde oferecê-la por estar distante, sem saber de nada?
****
Ouvindo o "Canções praieiras", de Caymmi
Eu nunca entendi muito bem como fui parar na faculdade de Economia (e hoje, ao encontrar uma aluna daquela época perto de casa, constatei que aquela realmente não poderia ser a minha). O certo é que me sentia fora de lugar, assim como na vila onde morava, onde as pessoas viviam num universo que não seria o meu para sempre, tinha certeza.
Pois, ao chegar na Comunicação é que fiquei mais confusa ainda: por que não vim parar aqui antes? O certo é que aquele ERA o espaço onde encaixaria o meu jeito de ser, pensar, vestir e viver - ainda que muito de mim ainda acabaria por ser forjado nos quatro anos seguintes.
Considero o terceiro período o seminal: ali eu me aproximei dos amigos que me rodeiam até hoje. Nessa época, conheci também o professor que marcaria a minha formação, seria o meu orientador do período seguinte em diante, ou seja, aquele tipo de mestre que pouco se vê nas escolas hoje em dia.
Uma semana antes de nos conhecermos em aula, eu fui à Bienal do Livro, no Riocentro, e lá comprei um exemplar justamente de autoria dele - sem saber que viraria meu professor logo depois. Uns tempos antes, numa visita à biblioteca da UFF, escrevi no caderninho títulos de livros que leria nos meses seguintes e lá estava o nome dele no meio de um monte de política. No fim da aula de Oficina de Textos (em que descobrimos a poetisa que vivia na Lili, o Nelson Rodrigues que habitava a Lu, o Caio Fernando Abreu que inspirava o Gu e assim por diante), não me contive e fui perguntar se era ele mesmo o autor do tal livro. Era. E prometi levar o tal caderninho com anotações sobre as minhas preferências literárias.
Três anos, dois laboratórios de pesquisa, livros diversos, estudos culturais baseados em biografias, muitos pitos e uma paixão por Glauber depois, eu escrevi a ele a frase que hoje me persegue: "o nosso foi o encontro predestinado das afinidades". Lembro dela na semana em que revi poucos, breves, mas queridos amigos.
Na terça, dia chuvoso como seu livro, fui ao lançamento da "Musa diluída", do Henrique Rodrigues. Como em tantos encontros caroçais, o vinho da noite abriu minha alma à poesia do amigo e dormi lendo e relendo alguns poemas (tá, li o livro inteiro duas vezes em dois dias, um recorde para a minha pessoa, mesmo em se tratando de poesia). Na Travessa, encontrei pessoas que há muito não via, como a Moniquinha - a quem quero perguntar onde encontrou criatura tão bonita e doce como a Roberta -, Moutinho, Flá, Valéria, Paulinha e o próprio HR. Fui dormir com a felicidade dos embriagados pela amizade. Até porque neste dia acompanhada por Dolores e Pepê, com quem havia assistido ao mais novo Almodóvar (um filme-livro).
A Valéria nos perguntou: por que não nos encontramos mais?
Não tenho a resposta para tudo. Eu mesma queria saber. Se a vida é mesmo o encontro predestinado das afinidades, ele acontece. Como quando conheci a Gisele, menina com quem já esbarrara, mas cuja fisionomia esquecera (é preciso estar de olhos, alma e coração bem abertos para perceber os "encontros" que podem mudar nossa existência).
Eu e ela, que não faz cinema mas poderia ser a menina da música do Chico, temos uma "energia" em comum. Penso nela e, dias depois, descubro que ela estava pensando em mim. Agora a chuva é algo que nos une. Aliás, apreciar a chuva é coisa de mulher madura (na adolescência eu era solar).
Por falar em chuva, hoje descobri uma nova sensação, e deliciosa: já experimentaram tomar uma taça de vinho chileno com camembert e foie gras com geléia de framboesa e, em seguida, comer chocolate com nutella embaixo dela, digo, da chuva? É de sentir o corpo vivo, pulsando, gozando quase (a chuva também dá saudade do namorado que ainda está no trabalho - mas bem que poderia estar perto porque melhor que chocolate com chuva é fazer amor à tarde, de férias).
De férias, e conhecer o novo centro cultural, se perguntar por que não faz nada ligado ao social - se seu filme predileto diz que "a terra é do homem, não é de Deus nem do diabo"- depois de ver desenhos de dor e de um Pinochet com os dentes sujos de sangue. E ir ao cinema, chorar silenciosamente num filme sobre a ditadura (essa tal de energia do universo deve explicar porque eu, nascida em 1975, sofro tanto com os horrores da tortura dos idos da nossa última, se Deus quiser, última mesmo, ditadura, tendo pais que nunca ouviram falar nela).
Na chuva, no Aterro, ouvindo "Acabou chorare", pensando no dia triste, mas feliz, depois de um dia extremamente feliz, pensando nos amigos que vão e vêm, mas continuam amigos para sempre. (Guiu, você está nesta lista)
Como alguém pode dormir em paz pensando que um amigo precisou de ajuda sem gritar por ela e não pôde oferecê-la por estar distante, sem saber de nada?
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Ouvindo o "Canções praieiras", de Caymmi