Lameblogadas

domingo, junho 04, 2006



É TETRA!!!

Lembranças de outras Copas...

Faltam nove dias para a estréia do Brasil na Copa. Não tendo mais empolgação alguma com o futebol desde mais ou menos 1994, confesso só ter um motivo para entrar no clima em 2006: o amor. Convivo com um moço que respira e transpira futebol e é a nossa primeira Copa juntos. E a minha primeira com um namorado! Não sei por que desígnios eu estive sempre sozinha em todas as outras...

Na de 1982, e aqui começo a contar minha história nos mundiais, eu tinha sete anos, pais e irmão apaixonados por Copas e vizinhos que se confraternizavam na vila para a qual, se não me trai a memória, havíamos nos mudado recentemente. Naquele ano, o Naranjito (Laranjinha para nosotros) era o mascote da Copa e os meninos se revezavam no chão da rua para desenhá-lo e pintá-lo. Ele era a sensação de uma decoração que contava também com bandeirinhas, postes pintados e mais dois ou três pinturas ao longo da rua íngreme e sem saída onde eu morava. Nessa época, todos queríamos "arrebentar a boca do balão" e me lembro da gíria agora ao ver uma foto antiga, desbotada, com uma bandeira de plástico na janela da sala de casa: "Brasil, arrebenta a boca do balão".

Cada dia, assistíamos ao jogo na casa de um vizinho diferente, com direito a comes e bebes, muita comemoração e nada para fazer depois... ah, a infância... Dos jogos não lembro de quase nada, só o nome de alguns dos nossos jogadores: Sócrates, Falcão e...quem mais? Não interessa muito. O nome que marcou aquela Copa e que nos fez chorar copiosamente é Paolo Rossi. A cada gol da Azzurra, eram ouvidos gritos desesperados e palavrões. Até que o último calou a torcida. Eu me levantei, fui até a porta da sala da minha casa e, do lado de fora, pus-me a chorar. Enquanto isso, mamãe tentava demover meu irmão, então com 11 anos, a não botar fogo na bandeira do tri que ela havia comprado nem nas camisas que usáramos em toda a competição. Para extravasar sua raiva, meu irmão dava cada pulo impensável numa situação normal e atingia a altura das bandeirinhas, arrancando-as com barbante e tudo. Ele e os amigos numa espécie de balé da destruição queriam se desfazer daquela esperança toda que tomou conta do país que tinha a melhor e favorita seleção da Copa...

Veio 1986. Desta vez, a festa se transferiu para o nosso quintal. A cada jogo, um churrasco. Ainda não tínhamos construído a piscina, no lugar em que naquele tempo só existia uma imensa amendoeira (que no outono me dava o maior trabalho, tinha que varrer suas folhas diariamente), um chão de azulezos quebrados (meu pai chamava de caquinhos, aquele piso de quintais suburbanos formado por restos de azulejos mais baratos) e muito espaço para a festa do tetra. Mas aí o Brasil tinha Zico, que perdeu um pênalti contra a França e nos eliminou. Aí ainda não era hora da minha mãe ver os filhos assistindo ao "Brasil campeão mundial". Era um sonho que ela acalentava, "não podia morrer sem ver os filhos comemorando o tetra", desde que meu irmão saculejou em sua barriga em todos os jogos do tri no México. Infelizmente, ele só nasceria no penúltimo dia daquele 1970 e não veria a festa como mamãe queria...

E Sócrates também perderia um dos pênaltis na disputa após o tempo regulamentar. Taí, eu chorei, mas não me lembro o quanto nem onde. Também não sei se os meninos, sempre em maioria na vila, destruíram de novo a decoração. A lembrança mais forte é a tristeza dos vizinhos rubro-negros fãs do Galinho que praticamente tirou o país da Copa. Eles recolheram o bandeirão do Urubu da varanda _ só pode ter sido aquela bandeira o motivo de nossa derrota!

Na Copa de 90, eu já tinha 15 anos. Voltamos a fazer revezamento de jogos, cada dia na casa de um. O time não era lá essas coisas, não tínhamos mais os grandes das duas anteriores, a esperança de ganhar era menor. Mas ninguém queria perder logo para a Argentina, que tinha o melhor jogador do mundo e iria nos derrotar, mas com um gol de um tal de Caniggia... Nesse jogo, eu decidira usar pela primeira vez a minha camisa nova do Vasco (eu gostava de futebol nessa época, embora não soubesse da importância do João Saldanha para a história do esporte quando escutava seus comentários na finada Rede Manchete, Romário era meu ídolo e eu estava prestes a ver meu time campeão brasileiro) e não uma da Seleção. Depois da derrota, nunca mais voltei a usar camisa de time em jogos da Seleção e censurava quem usasse. Dava azar! A bandeira do Urubu no parágrafo acima é a maior prova disso.

Em 1994, os meninos não eram mais maioria na vizinhança. A vila tinha novos moradores, inclusive um comerciante que desistiu de tentar "fazer" um filho homem depois que sua mulher pariu a terceira menina. Eu já tinha 19 anos, mas não um namorado. Ou tinha e não lembro? Ah memória seletiva... Acho que não tinha não. Minha mãe, sempre a mais festeira, simpática e querida, conseguiu unir as duas alas da vila que antes eram não inimigas mas, digamos, afastadas: a parte de cima, a nossa; e a de baixo, a de dona Iara, uma simpática senhora que durante anos organizou as mais animadas festas juninas do bairro no seu quintal. Com isso, a vila se confraternizou não só para dividir os gastos da decoração como os do churrascão oferecido em cada jogo. Pela facilidade geográfica de dispor as mesas e a churrasqueira improvisada, a festa aconteceu na parte de cima. Em frente à minha casa.

Poucas horas antes do jogo, as mulheres vinham chegando com seus pratos. Mamãe sempre fazia o arroz, era a única que sabia cozinhá-lo em grande quantidade. Chegavam em seguida o salpicão (churrasco em vila de subúrbio PRECISA TER SALPICÃO), a farofa, o molho à campanha, os doces... Víamos o jogo numa TV da minha casa que colocávamos na rampa da garagem, que dava para a rua. Em frente, numa espécie de curral VIP infantil (que vemos hoje em dia nos shows do Cordão do Boitatá), ficavam as crianças, a maioria meninas. O som vinha do aparelho que meu irmão colocava na janela da sala e tinha uma ligação com o aparelho da TV. Galvão Bueno em altos decibéis!!!

No fim de cada vitória, com direito até a gols de cabeça do baixinho Romário, a festa rolava com música, muita alegria e nada para fazer depois. Minha mãe ontem me lembrou que também havia um bloco carnavalesco no bairro, para onde parte da turma seguia depois dos jogos.

(Mas 1994 foi o ano em que perdemos o Senna. Eu já carregava a tristeza que me afastaria da torcida de todo e qualquer esporte. Aquele ano marcaria meu distanciamento total das Olimpíadas, das corridas de Fórmula-1 e dos jogos de futebol. Sem Senna aos domingos, não valia mais a pena torcer. Sofrer então, nem pensar. Gastei todo o sofrimento quando a história se acabou na Tamburello, em Ímola.)

Em 1970, mamãe tinha 23 anos e já testemunhara o tri do Brasil em mundiais. Em 1994, meu irmão tinha 23 anos e nunca tivera o gostinho. Então, no intervalo entre o 0 x 0 de Brasil e Itália e a disputa de pênaltis, ela começou a ladainha, enrolada na sua bandeira com apenas as três estrelas do tri: "meus filhos precisam ver o Brasil campeão. Eu já vi, não preciso mais, mas eles têm que ver. Porque em 70, Caio estava na minha barriga, não valeu. E eu me lembro dos jogadores em carro aberto em Niterói, o país pára, eles precisam ver..." Para não vê-la sofrer mais uma decepção, me recolhi ao meu quarto.

Sozinha, entre TODOS os recortes de jornais e revistas que guardava do Senna, com pôsteres espalhados na cama, eu sofria. Com a pequena TV do quarto ligada, mas sem som, comemorava cada pênalti do Brasil nas redes com um murro no ar. Até que veio a cobrança de Baggio. Nem aumentei o volume. Chorei. Chorei muito mais que em todas as derrotas acumuladas até ali. Gritava o nome de Senna, me agarrava aos pôsteres (estão amassados até hoje...), lágrimas corriam. Não pude comemorar na solidão por muito tempo. Invadiram meu quarto, não me lembro quem, e me levaram para a rua. Minha mãe levantava a camisa e deixava o sutiã à mostra, gritando: "O Brasil é campeão, tá vendo, minha filha? Você tá vendo o Brasil campeão. Você e seu irmão também são tetra". Eu tentava impedi-la, as pessoas estavam vendo suas partes íntimas... Mas o Brasil era tetra e contra isso não havia qualquer argumento que a contivesse.

No meu quintal, as menininhas todas chorando de emoção!! Que lindo. Até a minha afilhadinha, que então tinha quatro anos, estava no meio. E as pessoas se surpreendiam: tão pequenininhas, nem entendem direito, como podem chorar? Crianças captam os sentimentos, não precisam ter razão! Eu mesma me lembrei que, a quatro passos de onde elas estavam, eu chorei a derrota de 1982, com apenas sete anos!

E a partir dali, a vila foi só festa. Um dos vizinhos, o comerciante recém-chegado, comandou uma lambaeróbica do meu quintal para a rua. Todo mundo acompanhando seus passos, fazendo ginástica ao som de música baiana e em homenagem ao Brasil! De repente, o homem abaixa as calças. Suas filhas e sua mulher se assustam, melhor, se desesperam. Calma, gente, é o tetra e o vizinho está só alegre e bêbado. No dia seguinte, não daria as caras fora da janela. Decretou feriado na loja! Na verdade, nos anos seguintes nunca mais foi o mesmo. Como estava tudo filmado e podíamos rever as cenas a qualquer instante, ele nunca mais se recuperou. Tornou-se o mais tímido da rua.

A história das minhas Copas poderiam parar por aí. Em 1998, eu era uma emergente, havia me mudado da vila para Icaraí, Zona Sul de Niterói. Na praia do bairro, havia telão e festa na areia depois dos jogos. Mas a sensação de solidão no meio da multidão era inevitável. Agora víamos o jogo só eu, mamãe e papai. Meu irmão já estava quase casado, ficava na casa da namorada. Ver jogo do Brasil em apartamento é o uó, ainda mais para quem viveu a alegria do subúrbio, de amigos que dividem ceias em torno da paixão nacional.

Num dos jogos, viajei. Estava em Cordeiro, cidade serrana perto de Friburgo, para a exposição agropecuária. Tinha família lá, uma fazenda gostosa e primos também apaixonados por futebol. Resultado: aquele jogo com a Holanda, o melhor de 98, eu assisti com eles, num churrasco na casa de amigos. Foi a última vez que gritei gol em Copa do Mundo, que torci, que me rasguei, que chorei.

A final assisti no meu quarto, no apartamento de Icaraí, sozinha. Meus pais na sala, minha mãe, já satisfeita porque os filhos tinham visto o Brasil ser tetracampeão, estava bem mais contida. Mas ainda tremulava a bandeira do tri. Eu achava feia, velha, puída, mas era o pano mágico que a acompanhava em todas as Copas... Não chorei quando o juiz apitou o fim do jogo. Perdi para a França sem dar um grito. Era como se soubesse que talvez nunca mais assistiria a um jogo da Seleção como antes.

A história de 2002 é tão sem graça que me pergunto se merece ser contada. Só para completar a cronologia, fica o registro.

* Assisti a um dos jogos (não me lembro qual) na casa dos Garotinho. Já era jornalista, tinha virado repórter de política e precisava acompanhar os candidatos a presidente em dias de jogo;
* Estava de plantão no fim de semana da final;
* Passei a madrugada de sábado para domingo, o grande dia, de bar em bar, meio perdida;
* No domingo, de ressaca, não havia barulheira de vizinho que me fizesse abrir os olhos para ver qualquer gol (até ontem não sabia que a final tinha sido contra a Alemanha e até hoje não sei o placar daquela partida);
* Acordei mal-humorada (redundância) porque tinha que trabalhar com sono;
* Já estava desligando o computador, perto das 21h ou 22h, quando meu chefe descobre a morte de Chico Xavier, momentos antes, e me pede para ficar e escrever o obituário.

Foi nessa melancolia que terminou a Copa de 2002 para mim. Este ano, eu tenho o Pedro e talvez vá assistir aos jogos de novo sofrendo, tentando entrar no clima e torcendo para estar de folga no dia da final, se o Brasil chegar lá.