Lameblogadas

sexta-feira, fevereiro 22, 2008

Confesso que, à primeira vista, tive medo dele. Não à toa alguém é conhecido por Pinel, né? Mas, no caso do João, não havia motivo para temer. Criatura doce, do bem, mais um desses "malucos" que freqüentam o Bip Bip, o boteco onde o diferente é tratado como igual (perdoem o clichê).

Quando o João Pinel se aproximou pela primeira vez de mim, quase arrancou a faixa multicolorida do meu cabelo. Foi um gesto um pouco bruto, mas de puro carinho. Ele, percebendo que eu era nova no pedaço que ele conhecia tão bem, tratou de se chegar. Puxou assunto, elogiou a faixa e ficou até meu amigo por um dia.

Fui pouquíssimas vezes ao Bip, muito menos do que eu gostaria, e tenho poucos casos para lembrar do João. Mas um deles é o que me veio à mente ontem, ao saber a notícia de sua morte: a roda de samba comia solta, os amigos cantando Caymmi e o João comentando as letras, embora parecesse estar fora de órbita. Quando puxaram "É doce morrer no mar", ele não parava de interromper: "Doce coisa nenhuma. O mar é salgado, pô". Toda vez que os meninos cantavam o refrão, ele repetia a máxima. Dentro daquela sua lógica, a morte não tem direito à poesia. Dói, é um fim, machuca.

João Pinel escolheu a sua Almirante Gonçalves para morrer. Num raro momento de lucidez, ateou fogo ao corpo numa manhã em Copacabana, bem em frente ao Bip, enquanto o Alfredinho dormia, a uma distância segura dali. Não queria que ninguém o atrapalhasse. Que descanse em paz.

É doce morrer no mar (Dorival Caymmi)

É doce morrer no mar,
Nas ondas verdes do mar
A noite que ele não veio foi,
Foi de tristeza pra mim
Saveiro voltou sozinho
Triste noite foi pra mim
É doce...
Saveiro partiu de noite, foi
Madrugada não voltou
O marinheiro bonito
Sereia do mar levou.
É doce...
Nas ondas verdes do mar, meu bem
Ele se foi afogar
Fez sua cama de noivo
No colo de Iemanjá