Lameblogadas

terça-feira, outubro 19, 2004

"...Almas desesperadas eu vos amo. Almas insatisfeitas, ardentes.
Detesto os que se tapeiam,
os que brincam de cabra-cega com a vida, os homens "práticos"...
Viva São Francisco e vários suicidas e amantes suicidas,
e os soldados que perderam a batalha, as mães bem mães,
as fêmeas bem fêmeas, os dois bem doidos.
Vivam os transfigurados, ou porque eram perfeitos ou porque jejuavam muito...
viva eu, que inauguro no mundo o estado de bagunça transcedente.

Sou a presa do homem que fui há vinte anos passados,
dos amores raros que tive,
vida de planos ardentes, desertos vibrando sob os dedos do amor,
tudo é ritmo do cérebro do poeta. Não me inscrevo em nenhuma teoria,
estou no ar,
na alma dos criminosos, dos amantes desesperados,
no meu quarto modesto da praia de Botafogo,
no pensamento dos homens que movem o mundo,
nem triste nem alegre, chama com dois olhos andando,
sempre em transformação."

(trecho de "Mapa"*, de Murilo Mendes)

* o poema que deu nome à geração de amigos baianos de Glauber, à uma revista criada por eles e à produtora de seus filmes.

Entre números de Ibope, agendas eleitorais, fôrmas e entrevistas, vou aos poucos voltando ao mundo das minhas fantasias - cartas, crônicas, romances, amor e poesia.

A estante cheia aflige - os livros qualquer dia hão de se rebelar e cair todos sobre minha cama - mas a fila anda. Agora começo a dividir a correspondência (um dos meus gêneros literários preferidos) dos quatro mineiros com a picardia do meu predileto Nelson Rodrigues. Tenho uma obsessão, confesso: ler todos os livros publicados dele. Faltam três. Cada vez que os inéditos chegam às livrarias minha missão ganha ares de impossível. Assim espero: que não termine nunca.

No reencontro com uma amiga, a constatação: gostamos de coisas antigas. Por que? Nossos ídolos já morreram. Drummond, Glauber, Cartola, Murilo, Nelson, Ana Cristina, Tom, Caio, Otto, Vianinha, Vinícius, Joaquim, Noel e Paulo. Exagero? Talvez, mas as novas referências também são antigas. Candeia, Clementina, Elizeth, Clara...

Mas de que adianta tudo isso? Desejo reprimido, saudade, dor? Morreu a avó da Monique, vai nascer o bebê da Gislaine. Ela me liga amanhã da Alemanha para dar a notícia. Eu aqui nesse frio, o Pedro lá ao ar livre, no calor do Nordeste. Será que vou ter carona para Niterói? A Central do Brasil deve estar deserta.

segunda-feira, outubro 18, 2004

Depois da aula, um novo encontro no bar. Carência coletiva, que unia a todos. Em comum a falta de raiz. Dois de Minas, uma de Campo Grande, um de Barra do Piraí, outro de Itaguaí, outras de São Gonçalo e Caxias, e aqueles que, em Niterói mesmo, ainda buscavam um lugar. Era ali, entre todos, que construíamos o nosso espaço. Onde nos encontramos tantas noites, passadas ao relento ou no aconchego de um lar - que também se tornara nosso. Um universo de poesia, luz, treva, ansiedade, música, amor - sobretudo amizade. Um projeto nasceu, deu frutos, cresceu e - morreu? Continua vivo? Onde? Na lembrança de cada um. O desejo de mudar contido em palavras dentro de um balão de gás. Onírico no fatídico, cachaça, livros - onde estão vocês, meus amigos? Marcamos um encontro para o dia 5/5/2005. Nunca pensei que chegaria tão rápido...