Lameblogadas

sexta-feira, maio 13, 2005



Por cenas como a do grupo Ponto de Partida com os Meninos de Araçuaí cantando a música abaixo ao vivo para mim é que meu amor por Minas aumenta mais... De arrepiar, de chorar!


Notícias do Brasil
(Milton Nascimento e Fernando Brant)

Uma notícia está chegando lá do Maranhão
Não deu no rádio, no jornal ou na televisão
Veio no vento que soprava lá no litoral
De Fortaleza, de Recife e de Natal
A boa nova foi ouvida em Belém, Manaus,
João Pessoa, Teresina e Aracaju
E lá do norte foi descendo pro Brasil central
Chegou em Minas, já bateu bem lá no sul
Aqui vive um povo que merece mais respeito
Sabe, belo é o povo como é belo todo amor
Aqui vive um povo que é mar e que é rio
E seu destino é um dia se juntar
O canto mais belo será sempre mais sincero
Sabe, tudo quanto é belo será sempre de espantar
Aqui vive um povo que cultiva a qualidade
Ser mais sábio que quem o quer governar
A novidade é que o Brasil não é só litoral
É muito mais, é muito mais que qualquer zona sul
Tem gente boa espalhada por esse Brasil
Que vai fazer desse lugar um bom país
Uma notícia está chegando lá do interior
Não deu no rádio, no jornal ou na televisão
Ficar de frente para o mar, de costas pro Brasil
Não vai fazer desse lugar um bom país



Cena 1 - num filme?

Central do Brasil. Marcelo D2 pirata na TV. "Eu quero ver se tu é homem, mané". Cheiro de mijo. Homem doente carregado. Mulher feia. Perfume barato. Dolce Gabbana no pescoço. Cabelo cheio de pontas. Unha por fazer. Livros pendurados no braço. Mal-encarado na van. Língua de fora, careta. Ônibus para Campo Grande. Bangu. São Gonçalo. 709. Embarque. Luz acesa. Metamorfoses. Apagada. Caneta, bloco. Corta.



Na voz da Marisa Monte...

Para ver as meninas (Paulinho da Viola)

Silêncio por favor
Enquanto esqueço um pouco
A dor do peito
Não diga nada
Sobre meus defeitos
Eu não me lembro mais
Quem me deixou assim

Hoje eu quero apenas
Uma pausa de mil compassos
Para ver as meninas
E nada mais nos braços
Só este amor
Assim descontraído
Quem sabe de tudo não fale
Quem não sabe nada se cale
Se for preciso eu repito
Porque hoje eu vou fazer
Ao meu jeito eu vou fazer
Um samba sobre o infinito

quinta-feira, maio 12, 2005



O dia em que Roberto Marinho morreu

Agosto de 2003, saí do jornal mais cedo. Pegamos a Av. Brasil rumo a Acari. Reconheci o bairro quando vi os prédios amarelinhos. Estivera ali na campanha eleitoral de 2002. Aquela noite seria a minha primeira vez num estúdio. Que bom ter sido no que fica numa casa do subúrbio, de onde se ouve choro e samba.

A noite foi longa. Eu, quieta, morrendo de timidez, ouvia a dupla cantar:

"Tudo que você diz/Na maior lealdade/É mentira..."

E repetir:

"Tudo que você diz/Na maior lealdade/É mentira..."

O produtor e arranjador queria a perfeição: "Mais uma vez". "De novo". "Vamos repetir". "Essa não ficou boa". "Outra vez". "Vamos recomeçar daquele ponto". Cansaço, demora...qualidade.

Eu já conhecia algumas músicas. Quando nos conhecemos, estava se dando a escolha do repertório. Não participei, nem dei opinião, mas fui testemunha das descobertas. Os versos certos são assim: "Em quatro escolas de samba/Favela, Portela, Império e Mangueira". Não me lembro se foi nesse dia, mas do disco já tinha a minha favorita - a primeira.

Na volta pra casa, mamãe preocupada ligou para avisar da morte do meu patrão. Queria saber se eu estava trabalhando. Ela não sabia, nem eu, qual era a grande notícia do dia. "Dois bicudos" estava sendo finalizado, teria um grande lançamento meio ano depois, boas críticas e vendas?, e uma projeção que o levaria a ser escolhido como um dos 10 melhores discos do ano pelo júri do Segundo Caderno do Globo. Agora tem mais: é também um dos indicados ao Prêmio Tim de melhor disco de samba de 2004.

A festa vai ser em junho, no Municipal. Ainda não sei se vou precisar comprar a roupa de gala. Mas já adianto meus parabéns aos dois meninos, ao Maurício Carrilho, à Luciana Rabello, ao pesquisador Paulo Cesar de Andrade e à "madrinha" Cristina Buarque.

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E na categoria melhor disco instrumental, os parabéns pela indicação de "Água de beber", do Quarteto Maogani, do muito querido Paulo Aragão.

quarta-feira, maio 11, 2005



Volta à rotina

Olhar perdido na multidão da Rio Branco, passeio pela feira de livros da Cinelândia, café no Odeon, cinema no Espaço Unibanco, comprinha no Luzes da Cidade, presente do namorado, leitura no escuro da Voluntários, música da Clara na Ponte e poesia de Ana Cristina Cesar antes de dormir:

é muito claro
amor
bateu
para ficar
nesta varanda descoberta
a anoitecer sobre a cidade
em construção sobre a pequena constrição
no teu peito
angústia de felicidade
luzes de automóveis
riscando o tempo
canteiros de obras
em repouso
recuo súbito da trama

********

ENCONTRO DE ASSOMBRAR NA CATEDRAL

Frente a frente, derramando enfim todas as
palavras, dizemos, com os olhos, do silêncio que
não é mudez.
E não toma medo desta alta compadecida
passional, desta crueldade intensa de santa que te
toma as duas mãos.

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LÁ FORA

há um amor
que entra de férias.
Há um embaçamento
de minhas agulhas
nítidas diante
dessa boa bisca
de mulher.
Há um placar
visível em altas horas,
pela persiana deste hotel,
fatal, que diz: fiado,
só depois de amanhã
e olhe lá,
onde a minha lâmina
cortante,
sofrendo de súbita
cegueira noturna,
pendura a conta
e não corta mais,
suspendendo seu pêndulo
de Nietzsche ou Poe
por um nada que pisca
e tira folga e sai
afiado para a rua
como um ato falho
deixando as chaves
soltas
em cima do balcão.

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Para Lili, amiga que me mostrou o caminho da poesia

VACILO DA VOCAÇÃO

Precisaria trabalhar - afundar
- como você - saudades loucas -
nesta arte - ininterrupta -
de pintar -

A poesia não - telegráfica - ocasional -
me deixa sola - solta -
à mercê do impossível -
- do real.

terça-feira, maio 10, 2005




"Sempre que tive de participar de algo em comum, qualquer acontecimento humano, me senti como um homem que sai do teatro antes do último ato para respirar por um momento, vê o grande vazio das trevas cheias de estrelas, e deixa o chapéu, casaco, espetáculo e parte."

Robert Musil, "O homem sem qualidades"



Felicidade: sobrenome do azul. *


* mais uma do Dicionário Lúdico



"Ando no escuro para tocar onde não devo. Amor é tocar onde não se deve. E curar sem entender a doença."


Fabrício Carpinejar



O AMOR BATE NA AORTA

Cantiga de amor sem eira
nem beira,
vira o mundo de cabeça
para baixo,
suspende a saia das mulheres,
tira os óculos dos homens,
o amor, seja como for,
é o amor.

Meu bem, não chores,
hoje tem filme de Carlito.

O amor bate na porta
o amor bate na aorta
fui abrir e me constipei.
Cardíaco e melancólico,
o amor ronca na horta
entre pés de laranjeira
entre uvas meio verdes
e desejos já maduros.

Entre uvas meio verdes,
meu amor, não te atormentes.
Certos ácidos adoçam
a boca murcha dos velhos
e quando os dentes não mordem
e quando os braços não prendem
o amor faz uma cócega
o amor desenha uma curva
propõe uma geometria

Amor é bicho instruído.

Olha: o amor pulou o muro
o amor subiu na árvore
em tempo de se estrepar.
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que escorre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem,
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã.

Daqui estou vendo o amor
irritado, desapontado,
mas também vejo outras coisas:
vejo corpos, vejo almas
vejo beijos que se beijam
ouço mãos que se conversam e que viajam sem mapa.
Vejo muitas outras coisas
que não ouso compreender...

segunda-feira, maio 09, 2005



Dicionário Lúdico Brasileiro

Lágrima: 1. saudade na forma líquida; 2. mistura de água do mar com alma moída; 3. secreção aquosa expelida através dos canais lacrimais quando se espreme o coração; 4. felicidade que escorre pela face; 5. estrela cadente que despenca do céu dos olhos de quem ama; 6. motivo da existência de lenços brancos; 7. resultado da fusão de sentimentos contraditórios quando submetidos a altas temperaturas; 8. nome comumente dado ao fim de um romance; 9. momento que antecede o adeus; 10. pedaço de ontem; 11. antônimo de desprezo; 12. matéria-prima das jujubas; 13. grande inspiração dos poetas; 14. fado de Amália Rodrigues; 15. na Europa, folha que cai da árvore quando chega o outono; 16. na infância, associada ao berro, alarme de fome; 17. na velhice, fome de colo; 18. névoa úmida que cobre o mundo quando chove dentro da gente.

Do blog http://www.cabezamarginal.org/cambalhotas/hidden/cat_dicionario_ludico_brasileiro.html, indicado pelos amigos Moniquinha e Moutinho.



"As nuvens são para não serem vistas. Mesmo um menino sabe, às vezes, desconfiar do estreito caminhozinho por onde a gente tem de ir - beirando entre a paz e a angústia."

Guimarães Rosa