Lameblogadas

terça-feira, agosto 20, 2002


Cidade partida

Conversa captada na fila do Estação Botafogo, sábado à noite:

_ Essa viagem mudou a minha vida. Meu Doutorado foi pro espaço depois que conheci a China. A cultura lá é muito diferente, eles são taoístas, menina.
_ Por isso que nós somos amigas. Temos a mesma visão de vida, né? Vamos viajar juntas para Cingapura?
_ Claro. E agora? Que que eu faço com a minha tese?
_ E as comidas, hein? Como é que você se virou?
_ Tenho que confessar que quando encontrei um Mc Donald's foi a visão do paraíso.
_ É, nos primeiros dias a gente curte as comidas exóticas, depois...

Conversa captada no corpo-a-corpo da Rosinha Matheus, ontem, na Pavuna

_ Qual a diferença entre uma carreata e uma passeata?
_ A carreata é feita em carros, ué.
_ Mentira! Você tem certeza? Não está me sacaneando não, né?
_ Claro que não. Carreata é no carro, passeata é no chão.
_ É mesmo, é?


De João Ximenes Braga, durante o mesmo corpo-a-corpo, na Pavuna.
_ Nós estamos no labirinto borgeano. Morremos. Tenho certeza disso. Eu morri, você morreu, eles morreram. Isso aqui não tem fim.


LUCIO LEVANTA A PROBLEMÁTICA — O ser humano é um projeto que não deu certo.

Ricardo, minha problemática é outra nesse momento: o jornalismo é um projeto que não quer dar certo.

O mesmo Lúcio tira minha dúvida: o cara do Globo que se parece com o Rodrigão é o Jorge Luiz Rodrigues. E concorda comigo: "é o clone dele." O outro comentário prefiro nem reproduzir.

domingo, agosto 18, 2002



Tudo bem, o Brasil deixou escapar o título da Liga para a Rússia. Mas é sempre um assombro ver aquela seleção de vôlei jogando. Carácolis, tchê! E o Giovani, hein? Meu Deus, o homem é puro músculo, mas gostei não. O atual galã é o Giba. Giba neles!, gritava Galvão. Errado, meu caro. Devia ser "Giba nelas!". Cruz, que baixaria. O Gustavo errou tantos saques... não tem importância, com aquela carinha linda de bravo ele pode tudo. Rodrigão em quadra. Gente, ele é a cara de um editor lá do Esporte do Globo. Sei o nome não. Vou perguntar pro Ricardo ou pro Lúcio Saudade de Pedro Motta Gueiros quando ele voltar do Mineirinho. O Nalbert é o mesmo, com alguns fios de cabelo a menos. O que mais? O árbitro, como de costume, era um japa. Ah, agora tem um jogador com uma cor de camisa diferente dos demais. O vôlei mudou: antes o saque não podia tocar na rede, só pontuava quem tinha a vantagem de ter sacado, somente no tie-break os pontos eram lá e cá, o jogo durava mais tempo.
Só quem, para mim, continuam os mesmos (e tudo de bom nessa vida): Renan e Maurício. O levantador da seleção é a mesma gracinha dos tempos em que ganhou a medalha de ouro nas Olimpíadas de 1992. Pena não ter enfiado (ui!) hoje nenhuma bola de segunda, sua jogada mais ousada (ai!) e penetrante (ich!). O Renan, esse continua lindo desde o remoto ano de 1984, quando a seleção que tinha Bernard, Bernardinho (o atual técnico e marido da Fernanda Venturini) e William ganhou a medalha de prata em Los Angeles, perdendo para os EUA.
Agora uma confissão: logo depois de terem se sagrado campeões em 1992 (ei, você aí já leu essa frase antes, não?), os jogadores disputaram uma partida no Maracanãzinho. Lá fui eu e uns amigos gritando "ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, em cima, embaixo e puxa e vai, ai, ai, ai, ai" (a música também continua a mesma). O Brasil ganhou, não me lembro de quem (e precisa?). Basta lembrar do saque mortal do Marcelo Negrão, das broncas do capitão Carlão, da imitação do jornada nas estrelas do Tande, dos flashes pipocando quando Giovani ia para o saque e do olhar caidinho do levantador (de ânimo!) Maurício. Quando terminou o jogo, saí correndo da quadra e me postei no lugar de saída do ônibus da seleção.
Levei para casa um sorriso e um adeus do Maurício pela janela (suspiros).

Os dois poetas mineiros: um de Mariana, Alphonsus de Guimaraens, avô do poeta-professor Afonso Henriques; o outro, de Juiz de Fora, o eterno apaixonado pela mulher do amigo Ismael Nery, Murilo Mendes.

Ismália

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...
(Alphonsus de Guimaraens)


Pré-história

Mamãe vestida de rendas
Tocava piano no caos.
Uma noite abriu as asas
Cansada de tanto som,
equilibrou-se no azul,
de tonta não mais olhou
Para mim, para ninguém!
Cai no álbum de retratos.
(Murilo Mendes)

Num dia ensolarado do inverno de 2002 tomo uma decisão: vou casar em breve e ter uma filha que se chamará Sofia. Na tarde poética que mais parece um dia em Minas, leio poemas de dois mineiros ilustres. Ah, Minas não havia mais até o fim daquela noite no Capela me fazer lembrar do doce de leite de Bichinho, da estrada esburacada e poeirenta de Prados e da música que ecoava de um beco da pequena e linda Tiradentes.
Só quem tem Minas na alma conhece o prazer de ler o Romanceiro da Inconfidência de Cecília Meireles numa sacada de Ouro Preto, outrora Vila Rica; apenas quem teve Minas no coração aprendeu a decifrar o bicho arredio mineiro pelas crônicas de Paulo Mendes Campos na cidade que abriga o museu dos loucos, que já foi prisão; os que têm Minas na memória afetiva jamais se esquecerão das latas de biscoito de polvilho na fazenda e do sabor do feijão tropeiro saboreado num restaurante ao pé de uma de suas montanhas; finalmente, somente os privilegiados que têm amigos mineiros sabem o que é bater um bom papo sobre arte e vida comendo um fresco queijo minas barrado por uma deliciosa geléia de morango.