A redação em crônica de Nelson Rodrigues
"Vocês, que não conhecem os subterrâneos de jornal, não imaginam como uma redação é povoada de seres misteriosíssimos. Procurem visualizar uma paisagem subterrânea. Há peixes azuis, escamas cintilantes, águas jamais sonhadas. De vez em quando, sai de uma caverna um monstro de movimentos lerdos, pacientes etc. E passa um peixe sem olhos, que emana uma luz própria.
Eis o que eu queria dizer: _ quando entrei, pela primeira vez, numa redação, acabava de fazer dez anos. Com a trágica inocência das calças curtas, tive a sensação de que entrava numa outra realidade. As pessoas, as mesas, as cadeiras e até as palavras tinham um halo intenso e lívido. Era, sim, uma paisagem tão fascinante e espectral como se redatores, mesas, cadeiras e contínuos fossem também submarinos.
Com o tempo, houve uma progressiva acomodação óptica entre mim e os vários jornais onde trabalhei. E as coisas passaram a ter a luz exata. Sempre restou em mim, porém, um mínimo do deslumbramento inicial. Até hoje, os seres da redação ainda me parecem de um certo dramatismo e têm não sei que toque alucinatório. Estou pensando em Gide e no seu gemido adolescente: _ "Eu não sou como os outros! Eu não sou como os outros!". Nós, de jornal, também estamos meio-tom acima da rígida normalidade. "