Lameblogadas

quinta-feira, junho 24, 2004



Nem sempre ele está sorridente como na foto, mas o atual ministro da Integração Nacional está bem mais calmo, educado e bem-humorado que na última vez em que o vi, nos idos da campanha de 2002.

No auge de sua popularidade, refletida na liderança de todas as pesquisas da época, Ciro foi vítima de sua própria, como diria?, eloqüência. Impaciente com a ignorância alheia, chamou um ouvinte, em pleno ar, de burro. Era mal-educado com jornalistas. "Patrícia Pillar não é minha namorada, ela é minha mulher", nos disse uma vez, ao responder sobre a presença dela na campanha. O pior ainda estava por vir...

Além de ter mentido sobre a escolaridade, fato que até hoje me intriga, dizendo ter estudado em escola pública a vida inteira, Ciro cometeu a sinceridade de dizer que o papel de Patrícia era o de dormir com ele. Quem convive com o cearense sabe que ele é dado a certas expressões e intempéries que não chegam a ferir ou incomodar o interlocutor. A menos que esse seja todo o povo brasileiro, que o ouvia em cadeia nacional.

Seu pecado foi ter sido, justamente como Lula, transparente como só durante a campanha. Sim, seu estilo na vida real era justamente aquele. Eu sinto uma enorme simpatia por ele. Não só pela linguagem empolada em sotaque nordestino, o que dá um efeito de oratória bem interessante, mas pela inteligência com que concatena os pensamentos e junta as palavras em frases perfeitas - embora discutíveis do ponto de vista político, social ou econômico.

Ontem, ao encontrá-lo barbudo, fumando (longe das câmaras, depois das tragadas politicamente incorretas que deu durante uma palestra numa comissão da Câmara) e à vontade em seu novo estilo, tive a certeza de que ele não mudou nada. Apenas aprendeu a conter melhor seus impulsos.

quarta-feira, junho 23, 2004




Fila de velório de gente famosa é lugar de oportunistas, malucos, candidatos a celebridades e até de admiradores. Nas nove horas que passei no Palácio Guanabara, ontem, vi de tudo: a brizolândia representada por velhinhos com rosas e lenços vermelhos no pescoço, políticos vindos de Brasília para o último flash, obscuros como o Márcio Braga, ex-presidente do Flamengo, que demorou a conseguir o privilégio de furar a fila, o onipresente Sadi, andarilho carioca das madrugadas, e até editores do Globo, que aproveitaram o fim do fechamento para também prestar a sua homenagem.

Porém, o que mais chamou a minha atenção foi uma velha antipática, que estava sentada numa cadeira desde a hora que cheguei, às 15h30. Sem jamais se levantar, ela ainda reclamou quando ocupei um espaço da poltrona ao lado, reservado para alguns de seus acompanhantes. Pois, todos foram embora. Eu tive que me levantar para as entrevistas, os políticos não paravam de chegar, e quando o cansaço batia me lembrava de procurar o lugar da velha. Mas lá estava ela: ora roncando, ora vigiando o movimento.

Passava das onze, eu tinha me levantado outra vez para entrevistar a governadora. Quando cheguei perto de seu marido, uma mulher gritava desesperadamente: Garotinho, Garotinho, vim aqui para te ver. Era a velha.

terça-feira, junho 22, 2004



A última das suas foi ter sido uma das fontes da polêmica reportagem de Larry Rohter no New York Times - aquela que insinuava ser Lula um presidente inepto por causa da bebida que tomava em quantidades preocupantes para o povo brasileiro. Entre outras, pregou no mesmo Lula o apelido de "sapo barbudo" - que serviu como uma luva aos adversários em 1989. Preferiu, na última campanha à presidência, apoiar a candidatura de Ciro Gomes, em vez de se aliar ao petista que ganharia a eleição e passaria a ser seu alvo predileto de críticas. No mesmo pleito, decidiu se candidatar ao Senado e sofreu uma das piores derrotas de sua carreira, ficando atrás de gente como os pastores Marcelo Crivella e Manoel Ferreira (o que aconteceu com o Rio?)
Num bate-papo informal no aeroporto de Angra dos Reis, na campanha de 2002, Lula me disse que Brizola estava para a política como Romário para o futebol. O futuro presidente achava que estava na hora do herói da campanha pela legalidade, que garantiu a posse de João Goulart no longínquo 1961, se aposentar. Chegara a vez do sapo barbudo reinar soberano na pátria de chuteiras.
Mas ele continuou ativo - ainda que sem muita influência - à frente do seu PDT, e era ouvido pelos adversários. A governadora do Rio não hesitou em procurá-lo (coerência e passado são duas palavras com significados diferentes no mundo da política) para negociar apoio na sucessão municipal da cidade. Até o PSDB de Fernando Henrique e José Serra, do qual Brizola foi ferrenho crítico (quem não era, na sua verve de metralhadora?), o procurou no auge da crise Waldomiro Diniz.
O homem que criou o Sambódromo e os Cieps, ao lado de um grande brasileiro chamado Darcy Ribeiro, vai deixar saudades. Com todas as idiossincracias, ele foi um dos nossos maiores políticos. Suas campanhas no Rio de Janeiro foram o último sopro daquela política que atrai o povo para a rua espontaneamente, sem promessas de vale-lanches ou cheque-cidadão. Não tive tempo para acompanhar nada disso, mas ouvi relatos emocionados daquela época - de políticos até colegas da imprensa que haviam sido "brizolistas".
Odiado e amado, Brizola ainda causa comoção. Sua morte, aos 82 anos, fez muita gente chorar ontem. Para quem gosta de política ou simplesmente acompanha a história do nosso Brasil, ele vai fazer falta. Ficará na memória como um símbolo de resistência à ditadura, aos militares e ao imperialismo. Um homem como poucos.


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Em março, o plantão na porta do seu apartamento na Av. Atlântica (foram muitos debaixo de sol e chuva) rendeu a última matéria que fiz com ele. Nesse dia, acompanhado dos tucanos José Serra e Artur Virgílio, ele estava mais prolixo que nunca, falando bastante sobre o golpe de 64 e a trajetória do trabalhismo no Brasil. Eis o texto, publicado em 16.03.2004, véspera do meu aniversário:

Serra e Brizola se juntam para cobrar CPI

Tucano pede apuração rigorosa e pedetista diz que Lula frustrou expectativas

Cláudia Lamego

Quarenta anos depois de dividirem o mesmo palanque e lutarem juntos contra a ditadura, o tucano José Serra e o pedetista Leonel Brizola voltaram a se unir em torno de um objetivo político. Os presidentes do PSDB e do PDT, acompanhados do líder tucano no Senado, Arthur Virgílio (AM), encontraram-se ontem, no Rio, para cobrar do governo a investigação profunda do caso Waldomiro Diniz.

Virgílio afirmou que vai insistir na criação de uma CPI para o caso Waldomiro e que não vê mais necessidade da saída do chefe da Casa Civil, José Dirceu, do governo.

- Dizem que Waldomiro era honesto até 2002. Quero acreditar que ele sempre foi desonesto e descobrir a quem ele servia. Temos que investigar as relações entre o ex-assessor, a Gtech, a Caixa Econômica, o advogado Buratti e o bicheiro Carlinhos Cachoeira. Temos que saber quem no Palácio do Planalto tem relações com a aliança entre essas pessoas e instituições. Se o governo acha que esse conluio não deve ser investigado, está no mundo da lua- disse Virgílio.

Serra também defendeu uma investigação ampla e reclamou da resistência do PT à criação da CPI.

- Muita coisa ainda não foi feita, muitos passos não foram dados. Daí acaba se impondo um outro tipo de investigação, sem obstrução - disse Serra.

Os tucanos disseram que procuraram Brizola pelo que o pedetista representa como patrimônio ético. Serra lembrou que eles estiveram juntos no comício da Central do Brasil, em 1964, e lutaram contra a ditadura.

- Há mais de 40 anos temos uma relação pessoal com Brizola, desde que eu era líder estudantil e ele, deputado pela Guanabara.

Brizola lembrou do exílio e disse compartilhar com Serra e o PSDB as críticas ao governo.

- Fomos exilados e lutamos juntos contra a ditadura. É natural que conversemos sobre a situação atual, em que temos um governo fraco e que frustrou nossas expectativas.

Virgílio disse que os dois partidos atuam juntos no Senado.

- Lá, o governo tem maioria, mas não consegue usar o rolo compressor contra as investigações.