Lameblogadas

sábado, outubro 18, 2003

Geribá



Onde eu queria estar agora...
se não estivesse na redação do Globo



É muito bom abrir o jornal e ler notícias como a de hoje na capa do Segundo Caderno. "Terra em transe" será relançado nos cinemas e sairá em DVD, que trará também um documentário feito por sua filha Paloma Rocha, do casamento com Helena Ignez, e do diretor Joel Pizzini.
Acho que vou ter que comprar um DVD urgente. É o segundo Glauber Rocha - que não tem em cassete - que sai nesse formato.

Sonho interrompido



Voltei há pouco da missa de sétimo dia de uma menina que nunca vi na vida. Ela tinha amigos, família e sonhos. Gostava de ouvir Renato Russo e duas músicas do cantor foram tocadas na igreja. O crachá de repórter pendurado no peito não me protegeu. Ao ouvir os versos da música que tocava quase todas as noites na novela ("tem gente que machuca os outros/tem gente que não sabe amar"), eu também chorei. A repórter da CBN não sabia como esconder as lágrimas. O câmera da Band também não. Dizia ele: "me mandem cobrir dez tiroteios, mas não me faça filmar a tristeza de uma família". Ele resumiu bem o que os jornalistas sentíamos ali. Não dá para ser frio, ficar imune ao sofrimento de uma família que poderia ser a nossa, mesmo estando a trabalho. Os familiares observavam nossa emoção com olhar de surpresa. Como se nós, seres às vezes inconvenientes, chatos que fazem perguntas fora de hora, não tivéssemos coração. Temos, sim, e também sofremos muito por isso.

sexta-feira, outubro 17, 2003

Encontraram meu celular no ônibus. Da outra vez, perdi no táxi. Sem contar as inúmeras vezes que deixo ele jogado em algum canto do Globo: na lanchonete, no banheiro, na escada...
Para falar a verdade: já estou querendo perder de vez!!!

Eu não sou daqui, eu sou de Niterói...

Ensaio sexta-feira à noite? É dura a vida de namorada de cantor.

Eu e meu amor na nossa Portela



A foto é da máquina do casal Chris Pacheco e Paulo Eduardo Neves. Não sei qual dois dois clicou.

O céu está azul, eu estou de rosa e o dia no Niteroi Times começa negro: esqueci meu bloco de apuração em casa em dia de fechamento (e em véspera de plantão). Há pior: não sei por onde anda meu celular, devo ter perdido mais uma vez...

quinta-feira, outubro 16, 2003

A falta que faz



"Conto de areia" (Romildo Bastos e Tominho)

É água no mar, é maré cheia ô
Mareia oi, mareia, é água no mar
Contam que toda tristeza que vem da Bahia
nasceu de uns olhos morenos molhados de mar
Não sei se é conto de areia ou se é fantasia,
que a luz da candeia alumia prá gente contar
Um dia a morena enfeitada de rosas e rendas
abriu seu sorriso de moça e pediu prá dançar
A noite emprestou as estrelas bordadas de prata
E as águas de Amaralina eram gotas de luar
Era um peito só, cheio de promessa era só
Era um peito só, cheio de promessa era só
Quem foi que mandou o seu amor se fazer de canoeiro
E o vento que rola nas palmas arrasta o veleiro,
e leva pro meio das águas de Iemanjá
E o mestre valente vagueia olhando prá areia sem poder chegar
Adeus, amor adeus, meu amor não me espera,
porque eu já vou me embora
Pro reino que esconde os tesouros de minha senhora
Desfila colares e conchas prá vida passar
E deixa de olhar pros veleiros,
adeus meu amor eu não vou mais voltar
Foi Beira-Mar, foi Beira-Mar quem chamou
Foi Beira-Mar, ê, foi Beira-Mar

Não sou fã do cinema marginal, mas gostei de alguns poucos filmes do movimento. Um deles, "O bandido da Luz Vermelha", clássico do cinema nacional, dirigido pelo Sganzerla. Cineasta marginal que respeito, Sganzerla foi capa ontem do Segundo Caderno, numa matéria ótima do Mauro Ventura. O cara luta contra um câncer e comoveu a platéia do Festival do Rio, ao aparecer por lá em uma cadeira de rodas, acompanhado da mulher, Helena Ignez, que também foi casada com Glauber.



Luz verde para Sganzerla

Cineasta, que luta contra doença, recebe homenagens por toda parte

Rogério Sganzerla vive dias de unanimidade - algo incomum para um cineasta marginal. Foi ovacionado na sessão de seu último filme no Festival do Rio, ganhou um prêmio especial na mostra, foi citado pelo ministro da Cultura, Gilberto Gil, no lançamento em Brasília do Programa Brasileiro de Cinema e Audiovisual, segunda-feira à noite, e perdeu a conta de elogios, tapinhas nas costas e homenagens que tem recebido. Ele está feliz com a repercussão de seu novo trabalho, mas conserva o discurso combativo de sempre:

- Todo mundo me elogia, mas ninguém me deixa filmar.

"Signo do caos", que estréia ano que vem em circuito comercial e acaba de ser selecionado para o Festival de Brasília, em novembro, levou seis anos para ser feito. Dinheiro que é bom pouco apareceu. A Riofilme ajudou na finalização, mas até os rolos de filmes Sganzerla teve que comprar do próprio bolso.

- Não se investe num cinema mais ousado, somente no dejà vu. Só querem um cinema que subjugue - diz o diretor de "O bandido da luz vermelha". - Parece piada, mas nenhum produtor percebeu que poderia se prestigiar com isso. Não entenderam que meu filme é um hino de amor ao cinema.

E é mesmo. "Signo do caos" faz uma defesa da liberdade de expressão e uma condenação veemente à censura, seja ela ideológica, econômica ou estética. Ele não pôde comparecer ao último Festival de Gramado, mas sua mulher, a atriz Helena Ignez, leu um texto que o cineasta escreveu sobre seu filme: "Trata da censura apocalíptica e absurda, que antes era política e hoje é dos meios de produção, dos donos do mercado." Ele define "Signo do caos" como um antifilme, em contraponto aos "superfilmes" lançados a toda hora.

- Num mercado ocupado só saem filmecos. Meu filme é o contrário de tudo o que está aí.

Sganzerla fala com a indignação habitual, mas a voz sai baixa e pausada. Aos 57 anos, ele luta contra um tumor no cérebro, que o levou à mesa de operação em agosto. Ainda está de cadeira de rodas e anteontem à noite teve que ser internado em São Paulo para dar continuidade ao tratamento.

Dias antes da internação, numa tarde de sexta-feira, recebeu o repórter em meio a uma sessão de acupuntura. De manhã, já tinha feito fisioterapia e massagem em seu apartamento na Urca, onde um beija-flor que ele batizou de Teca fez seu ninho no pinheiro da varanda.

- Ele tem estado muito animado. Quer ir às festas, a gente é que não deixa - diz Helena, casada com o diretor há 35 anos.

Acordou às 3h e quis ir à festa do filme ’Benjamim’

Uma das filhas, Sinai, diz que outro dia ele acordou às 3h e queria ir na festa do filme "Benjamim", de Monique Gardenberg. Aí já era demais.

- Ele fala o tempo todo: "Minhas filhas são umas censoras" - brinca Sinai.

Dia desses, foi ver o filme de João Moreira Salles sobre Nelson Freire e chorou de emoção. Apesar de debilitado, tem comparecido às homenagens. Na segunda-feira, Gil citou o diretor como um dos responsáveis por ajudar na transferência da Agência Nacional de Cinema (Ancine) para o Ministério da Cultura e disse que recebeu uma cópia do filme:

- Ainda não vi, mas vou assistir com carinho.

Dono de um temperamento difícil, Sganzerla mantém a contundência - "Todo gênio aqui se dá mal, nossos talentos são tratados a pontapés pelos burocratas" - mas a família diz que ele abrandou a agressividade e está mais emotivo.

- Ele voltou a ficar mais fraternal - diz Helena, com a concordância da filha Djin, que vê o pai mais sensível às coisas que estão ao redor.

"Signo do caos" ainda nem foi lançado comercialmente e Sganzerla já tem outro projeto na manga. Ele inscreveu o argumento de um novo filme no concurso de roteiros da Ancine. É "Luz nas trevas - Revolta de Luz Vermelha", uma continuação de seu trabalho mais famoso.

- É passado nos dias atuais. O roteiro foi feito há muitos anos, mas é atualíssimo. Trata de uma violência não explícita, mais cerebral - explica.

"O bandido da luz vermelha" tornou-se um clássico do cinema udigrúdi, como foi batizado aqui o cinema underground.

- O Sílvio Renoldi, que montou "O bandido", disse que o Rogério chegou para ele com uma mala cheia de filmes e avisou que os outros montadores não tinham aceitado - lembra Helena. - Depois de pronto, o filme virou moda e todo mundo chegava para o Sílvio e falava: "Eu quero que monte que nem ’O bandido’." E ele dizia: "Para montar que nem ’O bandido’, tem que filmar que nem ’O bandido’."

Renoldi repete a dobradinha com Sganzerla em "Signo do caos", 16º título da carreira do diretor. Os cortes abruptos, as cenas repetidas - "aliteração", como prefere o cineasta - e a montagem descontinuada do filme de 1968 estão presentes novamente agora. Mas "Signo do caos" narra de forma alegórica a luta entre a criação artística e a intolerância. A primeira parte é filmada em preto-e-branco. Uma estranha carga chega ao cais da Praça Quinze. A alfândega descobre que se trata de um filme e o material é analisado pelo chefe dos censores, dr. Amnésio (Otávio Terceiro), do Departamento de Informação e Propaganda (DIP) de Getúlio Vargas. Ele considera as imagens abusivas. O repórter Edgar Morel (Sálvio do Prado) defende a liberação. O filme é "It’s all true", que Orson Welles veio rodar no Brasil e não conseguiu terminar porque não quis retratar uma visão oficialesca do país. Nos porões do DIP, Amnésio proclama a "guerra ao gênio", assobia "Aquarela do Brasil", de Ary Barroso, e diz: "É um lixo, pernóstico, nojento. Mostra um punhado de crioulos sambando. Quem é que vai querer ver isso?". Morel tenta argumentar: "São imagens tremendamente poéticas."

A segunda parte do filme, em cores, mostra uma festa que reúne censores e uma bailarina que exibe um número musical inspirado em samba, cachaça e futebol. Enquanto a moça - que simboliza o Brasil - apresenta-se, eles continuam a criticar as imagens de Welles. A bailarina é interpretada por Camila Pitanga.

- Achei que ela tinha physique du rôle, que era perfeita para aquilo. Ela é linda, né? - pergunta, já sabendo a resposta.

Ele conta que Camila ligou há poucos dias.

- Conversamos uma hora e meia. Ela disse que adorou o trabalho e que faz qualquer tipo de filme conosco.

Com "Signo do caos", Sganzerla faz sua tetralogia sobre o cineasta americano, que inclui "Tudo é Brasil", "A linguagem de Orson Welles" e "Nem tudo é verdade".

- Peguei uma situação-limite para falar contra todo tipo de obstáculo. Ninguém mais que Orson foi tolhido pela burocracia reinante. E olha que ele era o maior cineasta do mundo - diz. - Temos que ficar vigilantes para não deixar os amnésios avançarem.

Céu dividido

Acordei hoje sem saber: vai fazer frio ou calor? Da janela do quarto, olhei para a esquerda. Estava preto. Direita, o Pão de Açúcar iluminado, a praia de Icaraí e o céu azuis. A natureza, cheia de nuances, fica tão mais bela no Rio de Janeiro...
Ah, na dúvida, pus um casaco.

quarta-feira, outubro 15, 2003

O reencontro com o Pedro ontem foi muito bom. Tudo o mais não interessa, só a vontade de estarmos juntos na alegria e na tristeza.

segunda-feira, outubro 13, 2003

Você já foi à Bahia?

Não gosto (nem vi) de todos os seus filmes. Mas ele é o meu cineasta predileto.

Livro que deu vontade de ler: o da correspondência entre os quatro amigos mineiros. Na foto colorida Fernando Sabino, Hélio Pellegrino, Paulo Mendes Campos e Otto Lara Resende.

Filme que eu mais gosto

Música que ouvi no fim de semana, de Gil e Caetano


O filme quis dizer "Eu sou o samba"
A voz do morro rasgou a tela do cinema
E começaram a se configurar
Visões das coisas grandes e pequenas
Que nos formaram e estão a nos formar
Todas e muitas: Deus e o diabo, vidas secas, os fuzis
Os cafajestes, o padre e a moça, a grande feira, o desafio
Outras conversas, outras conversas sobre os jeitos do Brasil
Outras conversas sobre os jeitos do Brasil
A bossa nova passou na prova
Nos salvou na dimensão da eternidade
Porém aqui embaixo "A vida mera metade de nada"
Nem morria nem enfrentava o problema
Pedia soluções e explicações
E foi por isso que as imagens do país desse cinema
Entraram nas palavras das canções
Entraram nas palavras das canções
Primeiro foram aquelas que explicavam
E a música parava pra pensar
Mas era tão bonito que parece
Que a gente nem queria reclamar
Depois foram as imagens que assombravam
E outras palavras já queriam se cantar
De ordem e desordem de loucura
De alma a meia-noite e de indústria
E a Terra entrou em transe
E no sertão de Ipanema
Em transe é, no mar de monte santo
E a luz do nosso canto e as vozes do poema
Necessitaram transformar-se tanto
Que o samba quis dizer
O samba quis dizer: eu sou cinema
O samba quis dizer: eu sou cinema
Aí o anjo nasceu, veio o bandido meterorango
Hitler terceiro mundo, sem essa aranha, fome de amor
E o filme disse: Eu quero ser poema
Ou mais: Quero ser filme e filme-filme
Acossado no limite da garganta do diabo
Voltar a Atlântida e ultrapassar o eclipse
Matar o ovo e ver a vera cruz
E o samba agora diz: Eu sou a luz
Da lira do delírio, da alforria de Xica
De toda a nudez de índia
De flor de macabéia, de asa branca
Meu nome é Stelinha é Inocência
Meu nome é Orson Antonio Vieira conselheiro de pixote
Superoutro
Quero ser velho de novo eterno, quero ser novo de novo
Quero ser Ganga bruta e clara gema
Eu sou o samba viva o cinema
Viva o cinema novo

Não importa onde esteja, todos os caminhos me levam à Minas. O último atalho peguei em Nelson Rodrigues. Uma de suas obsessões era o escritor Otto Lara Resende, um dos quatro mineiros. Agora leio "O príncipe e o sabiá", garimpado, bem baratinho, num sebo de Niterói. Como ele citou o pintor abaixo, vira post.

Orquídeas, de Guignard


domingo, outubro 12, 2003

Pensando em Drummond e no Pedro, que agora trabalha no prédio onde já bateu ponto nosso grande poeta, me lembrei desses versos:

Escravo em Papelópolis

Ó, Burocratas!
Que ódio vos tenho, e se fosse
[apenas ódio...
É ainda o sentimento
da vida que perdi sendo um dos vossos.

Primeiro fim de semana separados, em cinco meses. Meu amor está em Sampa, na terra da garoa, e aqui no Rio chove sem parar. Terminei a leitura de Engraçadinha, 555 páginas (cento e poucas lidas durante a semana), em dois dias. O tempo demora a passar, a poesia invade o dia. A chuva pára. Ele liga, começa de novo. Vem à cabeça o poema de Drummond. Ei-lo:

Caso pluvioso

A chuva me irritava. Até que um dia
descobri que maria é que chovia.

A chuva era maria. E cada pingo
de maria ensopava o meu domingo.

E meus ossos molhando, me deixava
como terra que a chuva lavra e lava.

Eu era todo barro, sem verdura...
maria, chuvosíssima criatura!

ela chovia em mim em cada gesto,
pensamento, desejo, sono, e o resto.

Era chuva fininha e chuva grossa,
matinal e noturna, ativa...Nossa!

Não me chovas, maria, mais que o justo
chuvisco de um momento, apenas susto.

Não me inundes de teu líquido plasma,
não sejas tão aquático fantasma!

Eu lhe dizia – em vão – pois que maria
quanto mais eu rogava, mais chovia.

E chuveirando atroz em meu caminho,
o deixava banhado em triste vinho,

que não aquece, pois água de chuva
mosto é de cinza, não de boa uva.

Chuvadeira maria, chuvadonha,
Chuvinhenta, chuvil, pluvimedonha!

Eu lhe gritava: Pára! E ela, chovendo,
poços d’água gelado ia tecendo.

Choveu tanto maria em minha casa
que a correnteza forte criou asa

e um rio se formou, ou mar, não sei,
sei apenas que nele me afundei.

E quanto mais as ondas me levavam,
as fontes de maria mais chuvavam,

de sorte que com pouco, e sem recurso,
as coisas se lançaram no seu curso,

e era o mundo molhado e sovertido
sob aquele sinistro e atro chuvisco.

Os seres mais estranhos se juntando
na mesma aquosa pasta iam clamando

contra essa chuva, estúpida e mortal
catarata (jamais houve outra igual).

Anti-petendamcânticos se ouviram.
Que nada! As cordas d’água mais deliram,

e maria, torneira desatada,
mais se dilata em sua chuvarada.

Os navios soçobram. Continentes
já submergem com todos os viventes,

e maria chovendo. Eis que a essa altura,
Delida e fluida a humana enfibratura,

e a terra não sofrendo tal chuvência,
comoveu-se a Divina Providência,

e Deus, piedoso e enérgico, bradou:
Não chove mais, maria! – e ela parou.