Não gosto de comentar aqui as mazelas do Rio e os casos de violência que a cada dia vitimam mais gente e mais almas. Prefiro sempre chorar em silêncio, no banheiro do jornal (onde normalmente recebemos a notícia em primeira mão), em casa, em frente ao computador, entre o fechamento de uma matéria e outra. Lágrimas sem soluço, solitárias. Porque não sei o que dizer, não vejo saídas, não gosto de espalhar tristeza e angústia. Mas hoje, talvez sob o impacto da leitura deliciosa da biografia de Noel, por João Máximo e Carlos Didier, passada em boa parte em Vila Isabel; ou talvez pela beleza e sensibilidade do texto do colega Ruben Berta, o fato é que resolvi postar a reportagem que conta como foi o enterro da menina Alana, que morreu de bala perdida no Morro dos Macacos. Taí no texto o resumo do que virou nossa cidade, da vida sofrida das pessoas que moram nos morros e nada têm a ver com a guerra entre polícia e tráfico, que vivem uma tragédia após a outra, sem ter para onde fugir, do descaso das autoridades em resolver mais um caso sem solução. Enfim, se eu fosse compositora ou poetisa tentaria fazer uma canção ou um poema. Sem talento para tanto, só me resta reproduzir o texto. Para tentar aliviar o que vai na minha alma agora.
"Quem mora no morro não tem sonho"
Ruben Berta
"Qual era o maior sonho da sua filha?", perguntou o repórter à diarista Edna Ezequiel, de 31 anos. "Moço, quem mora no morro não tem sonho", respondeu ela. O diálogo aconteceu na tarde de ontem, pouco antes de a filha de Edna, Alana, de 12 anos, ser enterrada, no Cemitério do Caju. Na segunda-feira, durante um confronto entre policiais e traficantes, no Morro dos Macacos, em Vila Isabel, a menina foi atingida por uma bala perdida e não resistiu.
Edna chegou ao cemitério, por volta das 14h30, acompanhada de parentes e três dos quatro filhos que restaram: Maria Alice, de 6 anos; Michael, de 10; e Carlos Alexandre, de 15. A filha caçula, de 2 anos, ficou em casa com a avó e ainda não sabe da morte da irmã. Foi após deixá-la na creche que Alana foi atingida pelo tiro que culminou com a sua morte.
Durante o velório, houve gritos indignados de cerca de cem amigos e parentes, que pediam incessantemente justiça no caso. Na capela F, no entanto, o que mais impressionou foi o choro das crianças. Eram cerca de 30, que ainda procuravam entender o que aconteceu. O irmão de Alana, Michael, de 10 anos, demonstrou que ainda não havia compreendido:
_ A Alana está com o rosto machucado _ alertou o menino à mãe, que respondeu:
_ Filho, ela já morreu. Agora, não faz mais diferença.
A quantidade de crianças prestentes ao enterro de Alana dava idéia do quanto ela era querida na comunidade. A diretora do Ciep Salvador Allende, onde a menina estudou até o ano passado, Solange de Mendonça, a definiu como "excelente, meiga e doce". A mãe, Edna Ezequiel, foi além:
_ Minha filha nem ficava doente de tão alegre. Mas ela não viveu nada. Agora, estão todos falando da morte dela. Mas depois todo mundo esquece.
Nascida e criada no Morro dos Macacos, em Vila Isabel, a diarista Edna sempre cuidou praticamente sozinha dos cinco filhos, de três pais diferentes. Ela mora no alto da favela, num barraco de apenas um cômodo. O pai de Alana sequer foi ao enterro. Apesar da condição de vida desfavorável, ela é tida como boa mãe: todas as suas crianças estavam matriculadas em creches ou escolas.
Durante o enterro, a mãe era acompanhada por vizinhos de histórias semelhantes. Por medo, era difícil encontrar alguém que quisesse se identificar. Abraçada à filha de 12 anos, amiga de Alana, uma outra mãe demonstrava revolta:
_ Minha filha não conseguiu dormir à noite, não foi para a escola de manhã. Somos reféns no lugar em que vivemos.
O enterro de Alana só foi possível por iniciativa da Santa Casa de Misericórdia, que arcou com todos os custos. A família não tinha o dinheiro para o sepultamento. Na saída do cemitério, Edna, os filhos e parentes tiveram dificuldades para voltar para casa. Dois taxistas se recusaram a levá-los. A alegação foi de que não queriam se aproximar do morro. Depois de andar 300 metros, um parente conseguiu convencer outro taxista.
O delegado da 20ª DP (Vila Isabel), Fabio Corsino, disse ontem que o Instituto Médico-Legal (IML) ainda está periciando os quatro cadáveres envolvidos na ocorrência que vitimou a menina Alana. Segundo o policial, o IML não informou se foi arrecadado no corpo da menina algum projétil:
_ A bala pode ter transfixado o corpo. Isso vai dificultar muito as investigações. As armas dos bandidos foram apreendidas e as dos policiais foram listadas para que seja feita uma comparação a fim de descobrir de onde partiu o tiro que a vitimou.
A Polícia Civil informou que o laudo do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) deve ficar pronto em 30 ou 40 dias.
"Quem mora no morro não tem sonho"
Ruben Berta
"Qual era o maior sonho da sua filha?", perguntou o repórter à diarista Edna Ezequiel, de 31 anos. "Moço, quem mora no morro não tem sonho", respondeu ela. O diálogo aconteceu na tarde de ontem, pouco antes de a filha de Edna, Alana, de 12 anos, ser enterrada, no Cemitério do Caju. Na segunda-feira, durante um confronto entre policiais e traficantes, no Morro dos Macacos, em Vila Isabel, a menina foi atingida por uma bala perdida e não resistiu.
Edna chegou ao cemitério, por volta das 14h30, acompanhada de parentes e três dos quatro filhos que restaram: Maria Alice, de 6 anos; Michael, de 10; e Carlos Alexandre, de 15. A filha caçula, de 2 anos, ficou em casa com a avó e ainda não sabe da morte da irmã. Foi após deixá-la na creche que Alana foi atingida pelo tiro que culminou com a sua morte.
Durante o velório, houve gritos indignados de cerca de cem amigos e parentes, que pediam incessantemente justiça no caso. Na capela F, no entanto, o que mais impressionou foi o choro das crianças. Eram cerca de 30, que ainda procuravam entender o que aconteceu. O irmão de Alana, Michael, de 10 anos, demonstrou que ainda não havia compreendido:
_ A Alana está com o rosto machucado _ alertou o menino à mãe, que respondeu:
_ Filho, ela já morreu. Agora, não faz mais diferença.
A quantidade de crianças prestentes ao enterro de Alana dava idéia do quanto ela era querida na comunidade. A diretora do Ciep Salvador Allende, onde a menina estudou até o ano passado, Solange de Mendonça, a definiu como "excelente, meiga e doce". A mãe, Edna Ezequiel, foi além:
_ Minha filha nem ficava doente de tão alegre. Mas ela não viveu nada. Agora, estão todos falando da morte dela. Mas depois todo mundo esquece.
Nascida e criada no Morro dos Macacos, em Vila Isabel, a diarista Edna sempre cuidou praticamente sozinha dos cinco filhos, de três pais diferentes. Ela mora no alto da favela, num barraco de apenas um cômodo. O pai de Alana sequer foi ao enterro. Apesar da condição de vida desfavorável, ela é tida como boa mãe: todas as suas crianças estavam matriculadas em creches ou escolas.
Durante o enterro, a mãe era acompanhada por vizinhos de histórias semelhantes. Por medo, era difícil encontrar alguém que quisesse se identificar. Abraçada à filha de 12 anos, amiga de Alana, uma outra mãe demonstrava revolta:
_ Minha filha não conseguiu dormir à noite, não foi para a escola de manhã. Somos reféns no lugar em que vivemos.
O enterro de Alana só foi possível por iniciativa da Santa Casa de Misericórdia, que arcou com todos os custos. A família não tinha o dinheiro para o sepultamento. Na saída do cemitério, Edna, os filhos e parentes tiveram dificuldades para voltar para casa. Dois taxistas se recusaram a levá-los. A alegação foi de que não queriam se aproximar do morro. Depois de andar 300 metros, um parente conseguiu convencer outro taxista.
O delegado da 20ª DP (Vila Isabel), Fabio Corsino, disse ontem que o Instituto Médico-Legal (IML) ainda está periciando os quatro cadáveres envolvidos na ocorrência que vitimou a menina Alana. Segundo o policial, o IML não informou se foi arrecadado no corpo da menina algum projétil:
_ A bala pode ter transfixado o corpo. Isso vai dificultar muito as investigações. As armas dos bandidos foram apreendidas e as dos policiais foram listadas para que seja feita uma comparação a fim de descobrir de onde partiu o tiro que a vitimou.
A Polícia Civil informou que o laudo do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) deve ficar pronto em 30 ou 40 dias.