Lameblogadas

sexta-feira, maio 10, 2002

"Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois."
Verso de Pessoa que bem pode se aplicar ao meu sentimento do dia.

Minha infância tem cheiro de pitanga, de milho assado, de café moído, de vick vaporub, entre outros. Lembranças de um passado não muito distante no tempo e bem próximo no olfato: pitanga no quintal da vovó (que eu sempre fingi gostar para agradá-la); passeio no carro de boi, em meio às latas de leite a serem levadas para a porteira da fazenda, em Cordeiro; milho assado no fogão de lenha; cheirinho do café virando pó no moedor; queimado e bandeirinha na rua da vovó; leite purinho e fresquinho com nescau no café da manhã; remédio rosinha para fazer crescer; tempo sobrando.
São 22h27m, minha cama com edredon vazia, meus livros por serem lidos, meus cd's por serem escutados. E eu aqui, esperando alguém atender a um telefonema para ser liberada. Nessas horas, sinto muito não ter me formado em economia.
E é só.

Levantei com aquela leve tonteira da ressaca. Ontem tomei três taças de vinho na Argumento e li para o amigo que me acompanhava na noite poética três poemas de Manuel Bandeira. Conversamos muito sobre a toca do coelho d'Alice no país das maravilhas (não me perguntem em que contexto, nem eu me lembro). Fomos de lá para o Ateliê Culinário, na mesma rua, acompanhados por uma renovadora chuvinha. Nossa, que pastelzinho de frango delicioso (e mais um vinhozinho para terminar a noite) o simpático garçom nos serviu. Assim como o álcool a poesia também me embriaga. Os dois na mesma proporção e a noite acaba linda, o dia amanhece diferente. E no fim dele, fico como um bagaço.

quinta-feira, maio 09, 2002

Toda vez que ligo o rádio tenho a sensação de que o tempo parou. Explico: hoje estava ouvindo músicas de manhã e fiz viagens nostálgicas à adolescência (diria o Nelson Rodrigues que fiz uma viagem proustiana. em tempo: acabei de ler suas crônicas culturais. quando sobrar uma graninha vou comprar o teatro completo e os contos de A vida como ela é). Aliás, voltei aos 10 anos. Ouvi Alvorada voraz, do RPM. Mais um CD acústico de resgate de canções antigas. O primeiro CD deste tipo que ouvi ainda chamava-se unplugged. Graças à MTV, hoje somos inundados por acústicos. Para mim, está ótimo. Mas a música que me fez reviver bons momentos mesmo foi a do Dire Straits: Money for nothing. Eu era fã do Mark Knoephler (acho que escrevi errado!) quando adolescente e passei muitas madrugadas a ouvir meus amigos "levarem" suas músicas no violão. Um deles era mais que amigo... ele adorava o Dire Straits, aquele disquinho azul... ouvimos muito aquele disquinho azul na rede de minha casa de praia...
Sou do tempo do vinil. Apesar de muita gente não acreditar, já tenho vintesetinho... Ainda guardo as minhas bolachas. Pena que não tenho mais onde ouvir.
Hoje o trabalho foi chato, mas no fim do dia aconteceu uma coisa boa na redação. Mas não conto o que foi nem sob tortura.
O dia está bom para uma cachacinha no seu Osvaldo...

quarta-feira, maio 08, 2002

Mesmo sabendo que ainda não tenho leitores (pretensão achar que um dia eles, os leitores, esses enigmáticos seres, aterrissarão em meu blog), sinto-me na obrigação de apresentar-me. Meu nome vocês (epa, lapso) já sabem. Faltou dizer que o pãozinho coberto com creme de ovos é apenas o significado do sobrenome Lamego. Confesso que eu nem desconfiava disso até começar a usar o Aurélio eletrônico aqui do Globo. Aliás, há pouco tempo conheci a história de minha família. Mas eu não vou contá-la agora.
Voltando à apresentação: sou jornalista. Isso já dá uma pista sobre a minha personalidade. Trabalho na editorial Nacional de O Globo. Gosto de ler, escrever, conhecer pessoas, viajar. Não deslumbrei-me com a profissão, mas devo dizer que ela já me proporcionou momentos muito gratificantes.
Nem sempre eu quis ser jornalista, apesar de acreditar que já o era na hora em que deixei a barriga materna. Tentei formar-me economista. Talvez esta seja uma de minhas maiores frustrações: nunca consegui lidar com os números que insistiam em travar comigo uma luta desigual. Resultado: só passei em Cálculo 1, acredito, graças à ajuda divina, incorporada na bondade de um professor que resolveu passar todos os alunos naquele período. Pelos três anos seguintes, porém, não consegui ser aprovada em Cálculo 2. Descobri que integrar era muito mais difícil que derivar. Esta, só os economistas entendem.
Estudei jornalismo na UFF, onde conheci pessoas maravilhosas e convivi pouco, mas o suficiente, com os alunos de cinema. Não posso deixar de falar de novo em Nelson Rodrigues, que popularizou nos jornais a aluna de psicologia da PUC. Identifico-me muito com o dramaturgo. Como ele, eu sou uma triste, vivi no subúrbio, adoro as figuras do cotidiano, tremo ao ouvir palavras novas e bem ditas e teimo em pingar pontos de exclamações em quase todas as experiências vitais. O cronista de O Globo, Última Hora, Jornal dos Sports e Correio da Manhã precisava ter vivido para conhecer o tipo peculiar da caloura de cinema da UFF. Leríamos crônicas saboríssimas sobre as frases de efeito da menina depois de assistir a filmes do cinema marginal. Hoje, eu li um artigo sobre a mostra desse movimento que foi levada no CCBB, no Rio, na revista Contracampo (endereço: http://www.contracampo.he.com.br/37/frames.htm) e lembrei-me de minhas aulas na Cinemateca do Museu de Arte Moderna. Juro que anotava algumas pérolas. Um dia, publicarei. Prometo a mim mesma.
Por hoje, é só.

terça-feira, maio 07, 2002

Ai, que preguiça... O nosso herói sem caráter inspirou a minha matéria de hoje sobre o roubo de um muiraquitã. A frase de Macunaíma também já foi título de um trabalho de faculdade com o subtítulo "Macunaíma, da literatura ao cinema". O filme de Joaquim Pedro, para mim, é dos melhores de nossa cinematografia. Sempre ouvia falar mal do Macunaíma de Mário de Andrade. "Difícil de ler", "intragável", "intransponível". Essas frases, ditas até por estudantes de letras, me afugentaram por um tempo. Perda de. Eu já deveria ter lido o livro pelo menos três vezes de tanto prazer que tive na primeira. Agora, o tempo é escasso. E quando sobrar o usarei para reler a história maior de nossa literatura (sim, a universal, a de todos os amantes das letras - não apenas a brasileira): a do nosso bravo guerreiro Dom Quixote de la Mancha, meu livro predileto. Tenho um exemplar de capa dura, com o título dourado (do tempo em que as brochuras eram rica e belamente editadas), guardado com o maior carinho na parte nobre de minha estante: a mais próxima de minha cama. Enquanto o tempo não chega, vou ficando com as crônicas do brasileiríssimo Nelson Rodrigues. Divertidas, curtas, históricas. Literatura de primeiro quilate, escrita em jornal. A adaptação literária para o cinema é dos maiores desafios. Ontem mesmo li em Época que o livro "O invasor" é melhor que o filme. Pois, digo: temerosa avaliação. Fácil é dizer que o livro supera o filme. Difícil reconhecer que a película é tão boa quanto. Quem viu "Macunaíma" e leu o livro fica na dúvida. O mesmo em relação ao "Toda nudez será castigada", no caso, uma peça literária de Nelson. Jabor, cineasta e jornalista (abro um parêntese para protestar contra um coleguinha que afirmou ser o colunista de O Globo um "cineasta de um filme só". calei-me. mas deu vontade de enumerar os filmes que vieram à mente naquele instante: "O casamento", "Pindorama", "Toda nudez...", "Eu te amo", "Eu sei que vou te amar" e "Opinião Pública". ignorante!, pensei apenas, engolindo a raiva). O que dizer da adaptação literal de "Um copo de cólera", do Raduan Nassar? Nem li o livro, o filme (e o Alexandre Borges) me disseram todo o texto. "Lavoura arcaica" é um caso à parte. No dia em que fui assistir, estava tão triste que chorei quase o tempo todo. Todos os arroubos dramáticos de Selton Melo me emocionaram. Devo vê-lo de novo, em tempos mais racionais...